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A Lisboa de muitas facetas
Estranho quando criticam as migrações, porque elas estão no DNA da cidade. Lisboa cresceu miscigenada, e como é bom perceber essa diversidade nas ruas.
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Um dos programas que adoro fazer em Lisboa é caminhar e, de preferência, entrar nos becos e percorrer as escadinhas pelo caminho. Gosto de procurar vestígios da história e, aqui, há muitos deles. Você já observou os chafarizes de Alfama? Sabia que um deles, o Chafariz d’EI Rei, chegou a ser o único ponto de abastecimento público de água na cidade no século XVI? E que as bicas eram separadas para uso de acordo com a classe social e a cor da pele?
Vale recordar que estamos falando de uma época de exploração e trabalho escravo, situações que, infelizmente, ainda existem, porque capitalismo e escravidão sempre andaram de mãos dadas.
Mas vamos voltar às caminhadas. É a pé que a gente descobre e observa muita coisa. Até jogos inscritos em pedras é possível encontrar em alguns espaços públicos. Hábito do período em que os romanos mandavam por aqui e que teve continuidade entre os povos que chegaram depois. Acho maravilhoso conviver com essa memória, com o passado ainda presente, que é tão importante para legitimar a nossa história.
Grande parte de Lisboa se perdeu no terremoto em 1755. A cidade teve que ser reerguida e, não fosse a tragédia, provavelmente teríamos registros ainda mais antigos. Alfama e Mouraria, na colina do Castelo, são os bairros que nos remetem ao passado mais distante, da cidade fundada pelos fenícios ainda na Idade do Ferro e que depois foi romana, muçulmana e reconquistada pelos cristãos.
Foi Alis-Ubbo, al-Uxbuna, Olisipo, Felicitas Iulia Olisipo, Lisipona, Lixbona, Lisboa... uma cidade que, ao passar do tempo, teve vários nomes e várias caras. A “Olisipo” romana era muito diferente da Lisboa cristã que surgiu depois com a construção das igrejas e conventos.
Lisboa sempre foi diversa em cultura e religião e, apesar das batalhas e de alguns períodos sangrentos, na maior parte do tempo, a convivência entre muçulmanos, judeus e cristãos foi pacífica. Por isso, estranho quando criticam as migrações, porque elas estão no DNA da cidade. Lisboa cresceu miscigenada, e como é bom perceber essa diversidade nas ruas.
Outro dia visitei o Museu de Lisboa, em Campo Grande. Toda a história da evolução da cidade está contada e registrada ali. Acho um passeio importante para quem chega, quase como um reconhecimento de terreno.
Quando aprendo, valorizo o que vejo, e eu adoraria que essa curiosidade se espalhasse como um vírus. Entender como chegamos até aqui e o que de bom e de ruim houve no caminho, porque essa não é uma história apenas portuguesa.
Hoje somos brasileiros, chineses, indianos, nepaleses, ciganos, moçambicanos, cabo-verdianos, angolanos, croatas... Somos muita gente de muitos cantos do mundo.
Outros tempos, outros povos, e a velha luta por poder e riqueza. Poucos continuam com muito, muitos ainda têm pouco, e garantir espaço e dignidade nesse mundo não anda lá muito fácil. Os problemas surgem conforme as populações crescem, não tem jeito. Mas consciência e organização sempre são bem-vindas e necessárias. E aceitação e respeito, também.
Torço para ver Lisboa sempre misturada e com suas raízes preservadas. E que tenhamos tempo para apreciar atentamente os caminhos.