Com a eleição de Trump, o movimento 4B ressurgiu — e diz às mulheres para viverem sem homens
O movimento 4B nasceu na Coreia do Sul e diz não ao casamento e relações sexuais heterossexuais, gravidez ou namoro. Atingiu um pico de pesquisas após a eleição de Donald Trump.
O movimento não é novo, mas a eleição de Donald Trump trouxe-lhe um novo fôlego. As mulheres do 4B dizem não a quatro coisas: ao casamento heterossexual, a gravidez, ao namoro e às relações sexuais heterossexuais, como forma de protesto contra a misoginia e o patriarcado.
O 4B surgiu na Coreia do Sul, um dos países com maior diferença salarial entre géneros na OCDE (segundo um relatório publicado em 2021, as mulheres recebem menos 32,5% do que os homens), e foi classificado pela investigadora coreana Min Joo Lee, num texto publicado no The Conversation, como o pico “da animosidade entre homens e mulheres”. ‘Bihon’ (recusa do casamento heterossexual), ‘bichulsan’ (recusa à gravidez), ‘biyeonae’ (recusa ao namoro) e ‘bisekseu’ (recusa a relações sexuais heterossexuais) são as quatro palavras que deram origem ao nome da comunidade e que resumem a ideologia adoptada por um grupo de mulheres sul-coreanas em 2019.
E é isso que parece estar a acontecer agora também nos Estados Unidos. Esta quarta-feira, no rescaldo da eleição de Trump, e depois de uma campanha marcada por questões de género, as pesquisas por “4B” no Google subiram 450%, vindo as principais procuras de estados como Washington DC, Colorado, Vermont e Minnesota. Em todos estes estados, Kamala Harris foi a vencedora.
Também no TikTok há vídeos a propor a adesão ao movimento. “Mulheres, é altura de boicotar todos os homens! Perdemos os nossos direitos, por isso eles perdem o direito de nos tocarem! O 4B começa agora!”, propõe um jovem.
Noutro vídeo, onde se vê uma mulher a fazer exercício, lê-se: “A construir o meu corpo de sonho no qual nenhum homem vai tocar nos próximos quatro anos!”
A campanha de Trump conquistou homens, principalmente jovens. As primeiras sondagens mostraram que as mulheres com idades entre os 18 e os 29 anos votaram maioritariamente à esquerda, enquanto os homens do mesmo grupo etário foram conquistados pelo republicano.
Ainda assim, Kamala Harris não foi capaz de conquistar o eleitorado feminino. Os estudos da BBC e do The Washington Post mostram que 45% das mulheres votaram na candidata democrata e 44% em Trump.
Além do apoio de figuras conhecidas da manosfera, como Joe Rogan, os Nelk Boys e Adin Ross, Trump tem um longo historial de misoginia – num vídeo de 2005, ouve-se o Presidente a dizer “grab them by the pussy” – e também de acusações de violência sexual. E isso poderá validar o discurso misógino.
No X, Nicholas Fuentes, um youtuber conhecido por aclamar Adolf Hitler, escreveu: “Your body, my choice. Forever” (em português “O teu corpo, a minha escolha. Para sempre”), em oposição à frase feminista “O meu corpo, a minha escolha”). A publicação conta com 39 mil gostos e, segundo relatos nas redes sociais, tem sido proferida por jovens nas escolas.
O aborto foi um dos temas que marcaram a campanha, com Donald Trump a não esclarecer claramente a sua posição: o republicano já defendeu que essa decisão devia pertencer aos estados, mas também já se gabou de ter sido responsável pela escolha dos três juízes que revogaram a lei que dava ao Governo federal a prerrogativa de estender o acesso ao aborto em todo o país.
É no rescaldo de tudo isto que o 4B volta a ressurgir. Nasceu como um protesto contra uma epidemia de “spycam” – agressores faziam vídeos de vítimas durante relações sexuais sem que elas se apercebessem e depois trocavam-nos no Discord – pode estar, por isso, a ganhar uma nova popularidade, num momento de maior cisão entre géneros.
“As mulheres começaram a pensar como o governo e o Estado lhes falhavam” e, por isso, decidiram “não entrar em relações heterossexuais”, explicou Meera Choi, estudante de Sociologia na Universidade de Yale, à NBC News. Agora, as mulheres americanas podem estar a “canalizar a fúria e a desesperança neste novo activismo, na sua esfera privada, onde boicotam homens e relacionamentos heterossexuais, e se recusam a participar no patriarcado”.