Reflexões sobre segurança interna
Eventos de violência policial não são toleráveis num Estado de Direito; eventos de violência, de incendiar caixotes de lixo ou autocarros de ferir motoristas e polícias não têm qualquer legitimidade.
Tem-me parecido que:
- O tema mais importante do século XXI será – já o afirmei anteriormente – o da segurança, nas suas várias modalidades e dimensões.
- Que as nossas polícias e serviços de segurança deveriam ser designadas como Forças e Serviços de Liberdade e de Segurança para corresponder plenamente ao consagrado no artigo 27.º da Constituição.
- Que o apuramento de responsabilidades disciplinares, civis ou criminais, por atos ou omissões, se faz exclusivamente em sede de processos que correm os seus termos, com base na lei, com amplas garantias de defesa e com possibilidade de recursos quando as decisões não são conformes, nem entendidas como justas. A nossa Constituição da Liberdade e das liberdades, a Constituição do 25 de Abril – felizmente – (já) não consente julgamentos sumários e na praça pública, sobretudo por quem, com acesso aos meios de comunicação social, desconhece as regras jurídicas (democráticas) vigentes e a natureza das ordens policiais mesmo quando delas discordamos.
- Eventos de violência policial não são admissíveis, nem toleráveis num Estado de Direito democrático e que as Forças Policiais são as primeiras interessadas em que tal nunca aconteça e, se e quando acontecerem, algo se espera que possa ser apreendido para que não se repita.
- Eventos de violência gratuita, de incendiar caixotes de lixo ou autocarros, de bloquear o acesso dos nossos concidadãos a transporte público, de ferir e agredir motoristas e polícias não encontram qualquer causa de legitimação e afrontam de forma leviana populações sérias, respeitadoras da lei, cumpridoras dos seus deveres, e a memória de todos os que morrem de forma trágica, injusta e não justificável.
- Justificar crimes com condições sociais é aceitar a afirmação segundo a qual a pobreza e aquelas condições são causa legitimadora da criminalidade; quando a generalidade da população dos bairros pobres das nossas metrópoles não pactua com crime, nem com criminosos. Cidadãos honestos, sérios e probos. Trabalhadores exemplares e incansáveis. Lutadores para melhorarem a sua condição social e as condições de vida das suas famílias.
- Invocar o conceito de raça ou de pessoa racializada (conceitos que pensei afastados da nossa vida coletiva) é para mim algo “fascistóide” e do tempo do Estado Novo em que se celebrava o Dia da Raça... Não quero voltar a esses tempos de ditadura. A criminalidade não tem relação com a cor da pele que nos calhou ter.
- Devemos refletir muito bem sobre a amplitude e o perímetro do direito constitucional à livre expressão e à opinião. A nobreza da democracia radica em aceitar que todos se expressem de forma livre e não condicionada dentro do quadro constitucional e das leis em vigor.
- Prefiro conhecer de forma muito clara a posição de todos os partidos e movimentos políticos e combater, até ao limite do constitucionalmente admissível, correntes e opiniões absurdas e abjetas, do que amanhã me ver confrontado com resultados eleitorais e acordar com um parlamento com representação política autocrática, porque desconhecia o que estes partidos efetivamente defendem. Quem se exprimir de forma criminosa enfrentará as autoridades judiciárias. Não há alternativa.
- Que a questão das migrações é crucial e crítica no âmbito da segurança interna e que nem a União Europeia, nem os governos nacionais a têm sabido explicar convenientemente e, por isso, tem sido politicamente aproveitada e está no topo das agendas de muitos movimentos e partidos políticos. Com resultados visíveis.
- Imaginar que os problemas sociais e de perceção na área da segurança interna (ainda que assente em pressupostos errados) se resolvem apenas porque quem quer pensar o problema de forma séria e com soluções políticas, legislativas, administrativas que não são aceites por um tipo de mainstream mediático e propagandístico é insultado de fascista parece-me estúpido e redutor. Não nos apresentem soluções bacocas de um mundo sem fronteiras e sem controlos em que todos podem entrar no país ou respostas indignas de fácil resolução do problema com recurso a armamento...
- Enganar os migrantes oferendo-lhes proclamações ilusórias a que não conseguimos (co)responder, porque a realidade se impõe, mina – ainda mais – a relação de confiança entre portugueses e entre estes e os muitos que já cá estão e aqueles que desejam vir. Não nos iludam e não nos deixemos iludir, o problema existe e se não for a democracia e o Estado de Direito democrático a encontrar soluções é a autocracia e a ditadura que se instalam como se está a ver em muitos países por esse mundo ocidental.
Tudo isto, a final, tem a ver com a reputação da democracia cada vez mais assacada e atacada em todas as frentes. O Estado de Direito está sujeito, cada vez mais, a permanentes e constantes testes de stress... e se não for capaz de responder a todos estes desafios, particularmente no domínio da segurança interna, é a falência do regime que estará para breve. Não é um discurso apocalíptico é – apenas – realista porque os sinais são evidentes.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico