Mathilde Favier: a “fada madrinha” que cuida das celebridades na Dior
É a responsável por gerir a rede de embaixadores da casa de moda francesa. Apesar de não ser saudosista, a directora mundial de celebridades da Dior confessa que o “jogo da moda” perdeu a leveza.
Nos desfiles da Dior ou nas passadeiras vermelhas, é Mathilde Favier quem estende a mão às celebridades, como “uma espécie de fada madrinha”. Há uma década, a directora mundial de celebridades da Dior viajava com a mala cheia de vestidos para os Óscares à procura de quem os quisesse vestir. Hoje, é tudo diferente na moda, desabafa em entrevista ao PÚBLICO, apesar de não se considerar nostálgica. “O mundo está a ficar tão sério que todos nós precisamos de um pouco de moda”, defende.
Mathilde Favier está sentada no jardim das traseiras da boutique da Dior na Avenida da Liberdade, em LIsboa, onde acaba de apresentar o livro Living Beautifully in Paris (A viver com beleza em Paris, em tradução livre). O livro, escrito em parceria com a jornalista Frédérique Dedet, “não é sobre moda”, garante, mas sobre a (sua) vida na capital francesa, vista sob uma lente de privilégio, reconhece, tal e qual uma verdadeira Emily in Paris. E insiste: “Devemos privilegiar uma vida de qualidade. Qualidade é mais importante do que quantidade.”
Mas para falar sobre Mathilde Favier é impossível não mencionar a sua relação com a moda — toda a família trabalha na indústria e a irmã é a designer de joalharia da Dior, Victoire de Castellane —, ou com o trabalho que faz com as celebridades na maison francesa há 13 anos. Foi sob a sua batuta que a marca-estrela da LVMH passou a ter embaixadoras como Anya Taylor Joy, Elizabeth Debicki ou Natalie Portman.
Agora, diz, vivem-se tempos “menos excitantes” para o trabalho de um profissional de relações públicas (ofício que garante ter de envolver um grau de amor pela marca onde se trabalha) e não esconde algumas saudades de outrora, como aquela vez em que tiveram de emendar um vestido para Emma Watson usar no Festival de Cannes a partir das cortinas do hotel. “O vestido era transparente e todas as lojas de tecidos estavam fechadas. Pegamos nas cortinas do quarto e resolvemos. Voilà. Pouco depois, ela estava na passadeira vermelha”, conta, com humor.
Vive rodeada de celebridades, no mundo da moda, onde, frequentemente, é tudo superficial ou falso. Como é que se combate isso?
Acho que tenho a sorte de ter uma espécie de boa intuição. Todos sabemos que a moda é um jogo. Mas costumava ser como a maquilhagem: algo que é feito para nos cobrir. Por trás da maquilhagem, está algo realmente verdadeiro ou algo realmente falso. Agora incomoda-me menos do que antes, porque sou mais velha e procuro a realidade em tudo. O mundo está a ficar tão sério que todos nós precisamos de um pouco de moda. Todos nós precisamos de um pouco de maquilhagem. Todos nós precisamos de um pouco de leveza que traga, sabe, algum ar à nossa vida. É importante e a moda faz parte disso. Mas a moda já não é o que era — era leve.
É nostálgica? Tem saudades de como a moda era antes?
Não, não sou nostálgica porque sinto-me afortunada por ter conhecido esse mundo. Tenho pena que os meus filhos não tenham conhecido essa leveza, porque agora é difícil para eles. Actualmente, estamos a trabalhar sobre marketing, menos focados em coisas que envolvam criatividade. Penso como é difícil o papel dos designers e não sou designer.
Como é que isso mudou também o seu trabalho enquanto relações públicas ao longo de 13 anos?
Agora, em primeiro lugar, as estrelas e as actrizes estão sob contrato connosco. Antes não estavam, eram escolhidas por serem amigas da família. E costumava telefonar a dizer: “Sabe, adoraria vesti-la.” Era muito emocionante. Agora sabemos sempre quem vamos vestir. É claro que é preciso vesti-los muito bem e a [directora criativa] Maria Grazia [Chiuri] precisa de estar totalmente ciente do que vão vestir, de estar satisfeita. Mas é menos excitante.
Lembra-se de alguma história desses dias em que tinha de convencer as celebridades a vestirem Dior?
Estou a pensar nos Óscares porque lembro-me de voar para Los Angeles com os meus vestidos e telefonar ao meu patrão a dizer: "Tenho quase a certeza de que a Nicole Kidman vai usar o vestido porque o stylist me disse que ia ficar bem. Mas, até à passadeira vermelha, nunca se sabe.” Agora, quando vou para Los Angeles já sei tudo.
Considera-se uma figura pública, quase uma celebridade?
Não, não, costumo considerar-me uma mensageira. Não sou uma influenciadora. Não sou uma criadora de conteúdos. Sou apenas alguém que está a liderar as pessoas em quem confio. Adoro quando me dizem que sou ‘a madrinha’. Adoro o facto de ser a fada madrinha.
Este livro vem trazer alguma da leveza que sente que está a faltar no mundo da moda neste momento?
Acho que o livro não tem nada a ver com moda. Tem a ver com o meu ideal de uma certa Paris. É claro que a moda faz parte do processo e incluo a Dior, que faz parte da minha vida. Mas não se trata de um livro sobre moda e espero que não venha a ser assim. Acho que tudo o que está na moda é démodé um dia e quero que esse livro deixe um rasto durante muito tempo.
Alguém pode ser parisiense sem ter nascido em Paris?
Muitas vezes até estrangeiros e há alguns deles no meu livro. Parisiense é uma nacionalidade, mais do que ser francês. Pode ser-se francês sem ser parisiense e pode ser-se parisiense sem ser francês. É uma nacionalidade.
Diz que o livro tem uma mensagem mais profunda, mais do que só a estética da edição e das fotografias. Qual é?
A mensagem é privilegiar a qualidade em detrimento da quantidade. Defendo estes pequenos lugares escondidos de Paris que ninguém conhece. Estou a rezar para que se mantenham, porque é difícil para as pequenas empresas. Quero que eles continuem a estar presentes, porque são a essência da minha cidade.
Tal como tem acontecido com a série Emily in Paris, o livro também corre o risco de ser desajustado da realidade ao relatar uma vida privilegiada numa cidade com tantos contrastes sociais?
Completamente. É privilégio, mas queria falar sobre todos os pequenos negócios: floristas, charcutarias, padarias e outras mais importantes como escolas de artes para jovens desfavorecidos. São coisas muito importantes para Paris também.
Por vezes também é bom pôr a vida a cor-de-rosa?
Exactamente. É muito importante porque ajuda a atravessar a escuridão mais facilmente.
Foi muito influenciada pela sua família no domínio da moda — o seu tio trabalhava na Chanel e a sua irmã é designer. Acha que também o está a fazer pelos seus filhos?
Sim, eu tento. Quer dizer, os meus filhos são maravilhosos e não tenho nada para lhes impingir. Mas é o meu papel de mãe ensiná-los o que têm de ouvir, o que têm de ver e o que têm de fazer.