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Silêncio, que aqui canta-se fado a sério!
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Durante anos, fui visitar a casa de Amália Rodrigues na Rua de São Bento. Chegava lá sempre alguns minutos antes do encerramento, só para ter a certeza de que seria guiado na visita por Dona Estrela Carvas — assistente pessoal, amiga e confidente de Amália por 30 anos.
Ouvi por ela histórias que não estão nos livros, conheci quase de cor todos os vestidos e pares de sapatos da rainha do fado, cada pena do papagaio Chico e até a almofada de veludo encarnado na qual se sentou Vinícius de Moraes, quando, em 1967, ofereceu-lhe Saudades do Brasil em Portugal.
Ao longo da última década e meia, tenho colaborado com dezenas de fadistas, incluindo alguns duetos editados com Cuca Roseta e Gisela João, antes ainda do álbum de estreia de ambas.
Na Rua das Pretas, durante anos, a cada noite, recebíamos jovens fadistas no palacete do Príncipe Real: Tânia Oleiro, Diana Vilarinho, Matilde Cid, Teresinha Landeiro, Liliana Macedo, Lina, Joana Almeida, Matilde Antunes, Sofia Ramos, Beatriz Rosário, Sara Paixão, Maura Airez e tantas outras, além de Joana Amendoeira — cantadeira de fado residente na Rua das Pretas com quem, certamente, mais colaborei em diversos duetos e concertos de Norte a Sul de Portugal.
Ana Margarida Prado também esteve sempre perto da comunidade, disposta a flertar fora de sua área de conforto, seja caminhando pelas ruínas do Museu do Carmo cantando um fado à capela, seja subindo numa caixa de vinhos descalça no palacete a soltar sua voz e a olhar o Tejo.
Semana passada, estive na estreia de seu álbum, Ana María Prado Canta João Monge, no icônico Teatro María Matos. Ana é uma das vozes mais proeminentes do fado raiz contemporâneo. No palco, esteve ladeada por bambas: Bernardo Couto, na guitarra portuguesa; Bernardo Saldanha, na viola; e Francisco Gaspar na viola baixo.
Ana Margarida Prado fez do palco a sua casa, cantando, sílaba a sílaba, os belos poemas de João Monge — uma das penas mais finas da música portuguesa —, que vestiu fados tradicionais, e outras boas composições de Pedro de Castro e Agir.
O corpo não se contém ereto, como se, com a intensidade de algumas suspensões e melismas, involuntariamente, fizesse fletir os joelhos para reverenciar a palavra. Na contramão da cartilha do que é suposto fazer para atender as demandas do mercado fotográfico, Ana Margarida segue para onde manda sua intuição. Mesmo na dúvida se desconstruir a relação diva-publico pode dar resultado ou não, ela segue a procissão como se estivesse cantando sentada numa das poltronas do teatro, ao lado de alguém que foi assisti-la.
Ao final, uma trinca de ases da música portuguesa subiu ao palco para entregar o que de melhor há na terra de Camões: Camané — aquela voz que, no primeiro suspiro, faz qualquer japonês entender o que é o fado —, Carlos Bica e Mário Laginha, nomes incontornáveis do jazz português. Laginha poderia, inclusive, ter nascido nas esquinas de Minas Gerais ou na Nascimento Silva, em Ipanema.
Uma noite memorável em que foi entregue a escritura definitiva do ministério absoluto do fado. Senhoras e senhores, abram alas para Ana Margarida Prado.