“Em todo espaço cabe mulher” diz Hungria, sobre as mulheres no Rap

Cantor conta que admira o trabalho das rappers Cynthia Luz e Flora Matos e que vê o crescimento da força feminina, não só na música, e que a revolução está sendo feita pelas mulheres.

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o rapper Gustavo Hungria, de Ceilândia, está em turnê internacional e faz apresentação única em Lisboa @guifaro @perfildocriador
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Gustavo da Hungria Neves, nascido na Ceilândia, Distrito Federal, e criado na Cidade Ocidental, em Goiás, conquistou o mundo com a sua música. Aos oito anos de idade escreveu as suas primeiras músicas e, aos 14, Tá Embaçado atingiu 120 mil acessos no YouTube, o transformando em um dos primeiros grandes sucessos vindos da internet.

A mãe, dona Raquel, orientou o filho a sempre estudar, e ele obedeceu. Chegou a entrar na faculdade de administração, mas a música falou mais alto, e Hungria já era um sucesso. Dali em diante, foi crescendo no mercado musical mundial. No YouTube, suas músicas já foram visualizadas 5 bilhões e 500 milhões de vezes. Na plataforma Spotify, ele conta com 10 milhões de ouvintes mensais e a audiência de suas 10 principais músicas já atingem quase 1 bilhão de streamings.

Hungria é um fenômeno. Neste ano, apresentou-se pela primeira vez no Rock’n Rio brasileiro e o vídeo de Lua, gravação com Ana Castela e Alok, já ultrapassa as 55 milhões de visualizações. O cantor está em Portugal onde se apresenta com uma orquestra sinfônica no próximo sábado, 9 de novembro, no Coliseu dos Recreios. Ele recebeu o PÚBLICO Brasil com exclusividade.

Como será o show com uma orquestra?

Vai ser completamente diferente e com mais responsabilidade, porque não depende só de mim. No sábado, serão 29 pessoas no palco, teremos de estar numa sintonia muito boa. A preocupação aumenta, mas a energia é de outro nível. A expectativa é grande e estou muito feliz. Só peço a Deus para abençoar e estar presente aqui comigo. Só pelo simples fato de estar aqui, me sinto totalmente abençoado.

E o repertório? Vai ter Pisando na Lua?

Vai ter Pisando na Lua e muito mais. Na verdade, esse show faz parte do projeto Atmosfera, que eu gravei há dois anos no Brasil, na cidade de Valinhos, em um cenário incrível, que era um castelo. Tivemos a participação do João Carlos Martins, um dos maiores maestros do mundo. Gravamos seis faixas e, para os shows, acrescentei muitos sucessos do meu repertório, do rap e do trap.

É um show diferente dos que você costuma fazer?

É uma mistura muito bacana, com uma duração muito boa. A orquestra dá um requinte de calmaria e, quando entra o rap e o trap, a animação vai lá para cima. É um equilíbrio de energia muito legal que conseguimos encontrar.

Você começou muito novo...

Comecei muito precoce, com 8 anos de idade, e gravei a primeira música aos 13. Hoje, olho para trás e vejo um moleque muito precoce com aquela vontade toda de gravar uma música. Eu não sabia nem como era um estúdio, mas insistia para o meu irmão, que era DJ, me levar para um. Depois de muita insistência, ele me levou e, desde então, me apaixonei. Na verdade, eu já era apaixonado pela música, mas quando entrei no estúdio, de fato, tive algo, como a primeira relação amorosa. Essa paixão dura até hoje.

E como foi se lançar no YouTube?

Foi algo muito surreal, porque, quando gravei a primeira música, era o início do YouTube no Brasil. Estou falando de quase 20 anos atrás, estou com 33, comecei com 13. Não tinha essa força toda, porque, naquela época, a internet era discada. Para vermos um vídeo, era muito difícil. A internet era cara e era difícil ter um computador em casa. Então, o YouTube não tinha essa força toda.

Qual o primeiro vídeo de sucesso?

Gravei uma música chamava Bens Materiais, que relatava marcas de roupa. A música inteira só falava sobre marcas de roupa. Não era intenção de ostentar, eram marcas de roupa que eu queria ter, e muitas delas eu nem tinha. Fiquei sabendo de um rapaz que gravava vídeos lá no Céu Azul, uma quebrada lá de Brasília, e fomos atrás dele.

E como viralizou?

Na verdade, não fomos nós que soltamos no YouTube. Soltaram essa música no YouTube e, em questão de cinco dias, ela estava com um milhão de visualizações e foi parar em todos os portais de notícias. Foi algo que me surpreendeu. Eu devia ter 15 anos de idade e não sabia aquela força que a internet de fato tinha.

Surgiu o playboy do rap?

Começou a sair isso aí, o playboy do rap. Consequentemente, deu uma certa revolta com o pessoal do rap, porque o rap sempre teve uma crítica política e social muito grande. Vim cantando sobre marcas e os jornais escrevendo, o playboy do rap. Aquela resistência toda, porque ninguém entendia e diziam que isso não podia acontecer. Só que ninguém sabia a minha história, só estava relatando nomes de marcas que eu tinha vontade de ter. E o YouTube foi uma grande força, sem dúvida nenhuma, na minha carreira.

Começou a ser muito procurado?

Foram aparecendo muitas oportunidades, as que achei importantes, agarrei, outras não. Acho que tudo percorreu o caminho da maneira que tinha que acontecer. Sempre tive uma base familiar muito boa, sempre tive uma mãe muito presente. Fiz até o quarto semestre da faculdade.

Como foi isso?

Essa história é engraçada. Minha mãe falou: filho, você gosta de música, vamos fazer música, mas vamos estudar. Chegou aquele ponto crucial em que tinha que fazer uma faculdade e conseguir pagar. Fui fazer administração de empresas. Minha mãe é uma mulher guerreira, de uma humildade muito grande. Ela foi lá no gestor da faculdade e pediu uma bolsa para mim. Conseguimos a bolsa, graças a Deus. Só que ainda faltava pagar 40% da mensalidade. Minha mãe teve a ideia de vender na hora do intervalo, na porta da faculdade, um espetinho com arroz, mandioquinha e vinagrete. No fim do mês, ela me dava o dinheiro daquele corre todo que a gente tinha para pagar o restante da bolsa. Eu pegava aquele dinheiro da faculdade e pagava um estúdio. Quando minha mãe foi saber, o nome dela estava registrado como inadimplente no Serasa, e eu já estava ganhando, por exemplo, uns mil reais (161 euros) por semana. Na minha cabeça, estava rico. Foi algo realmente engraçado. Ela falou estudo, eu entendi estúdio. Mas deu tudo certo, graças a Deus.

Você acompanha as mulheres rappers?

Acompanho a Flora Matos, que tem uma pegada rap e leva um som para o pop também. Cynthia Luz leva um rap muito bem. Tem uma musicalidade diferente. Acho que o espaço da mulher é em todo lugar. Em todo espaço cabe mulher. Fico muito feliz pelos espaços que elas estão ganhando, não só na música. Hoje, vemos o crescimento dessa força feminina. Tem que ter revolução, e as mulheres estão atrás de revolução o tempo todo. Não vou falar que o mercado é igual para todo mundo, que, obviamente, tenho convicção que não, mas a revolução está sendo feita. Tem coisas que não cabem a nós, homens, fazer. Cabe a nós respeitar. Elas já estão fazendo essa revolução com muita magnitude e excelência. Fico muito feliz em ver cada vez mais mulheres habitando espaços que não habitavam antigamente.

Como você gere a sua carreira?

Nós temos toda uma estrutura. A nossa equipe inteira, dos músicos que pegam estrada e das pessoas que trabalham no escritório, acho que já somos 25. Tenho um braço direito muito grande, que é a minha irmã, que faz toda essa operação de correr atrás de direitos autorais, correr atrás do que é nosso. Temos, obviamente, um projeto financeiro para o futuro, porque, daqui a pouco, vamos querer descansar. Comecei muito cedo, sem pausa. Não estou reclamando não, muito pelo contrário, eu amo. Mas tem vezes que também me canso. Sou muito abençoado pelas pessoas que me cercam. Tenho dois sócios, Eduardo e Márcio. O Eduardo está comigo há uns 14 anos, o Márcio, há uns 10. Além do lado empresarial, do lado artístico, temos o lado família, de um zelar pelo outro, acho que é o mais importante.

E inspiração?

Toda a intenção do meu rap e tudo que eu escrevo são coisas que eu vivi ou que vi. Quando jogamos para o universo, lançamos a palavra com fé. Minha intenção nunca foi ostentar, mas falar que somos capazes de chegar lá. Nem nos meus maiores sonhos imaginava chegar onde cheguei. Toda vez que realizamos um sonho, outro nasce. Nunca pensei em fazer uma carreira internacional até fazer a primeira apresentação.

Como a sua mãe vê o seu sucesso?

Acho que minha mãe é muito orgulhosa. Sou muito orgulhoso dela. O que ela tinha para falar para mim, era estudar. O estudo gera um equilíbrio. Você quer ser músico, quer ser ator, mas vai por aqui também. Ela queria me deixar mais estável, caso não desse certo, tinha aquela porta ainda aberta para mim. Só que, com o tempo, ela entendeu que não era o que eu queria. Teve uma hora em que minha mãe entendeu que não tinha como eu nadar contra isso, e teve de aceitar. Houve um risco muito grande, mas graças a Deus valeu a pena.

Um dos seus patrocinadores é uma empresa de apostas, tem que ter responsabilidade?

Lógico mano. Antes de tomar qualquer decisão na minha vida, costumo pensar e orar muito e pedir discernimento sobre o que é o certo. Na minha opinião, as empresas de apostas pegaram uma imagem muito negativa, por falta de legalização no Brasil. Não existia uma lei para tornar as empresas de bets legais. Tomamos essa decisão diante de uma empresa legal e, com a nova lei, a partir de 2025, até a Caixa vai ter a sua bet.

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