Das pessoas LGBT+ ao aborto, o que pode estar em causa com Donald Trump?

A vitória já é clara e é esmagadora. O regresso de Donald Trump à Casa Branca pode trazer ameaças e retrocessos em diferentes campos. Eis algumas ameaças.

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Dos direitos das pessoas LGBT+ aos das mulheres, passando pela imprensa e aborto, o que pode ficar ameaçado? Lucas Jackson
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Donald Trump foi eleito o 47.º presidente dos Estados Unidos. Com o seu regresso à Casa Branca, há direitos que poderão estar em causa, principalmente quando se olha para o ultraconservador Projecto 2025 — que, apesar de não ser o programa oficial da campanha e de Trump ter dito que não iria aplicar, foi criado por antigos conselheiros, assessores e funcionários do republicano e poderá servir de "manual" para o seu mandato.

Dos direitos das pessoas LGBT+ aos das mulheres, passando pela imprensa e aborto, o que pode ficar ameaçado?

As pessoas trans

No primeiro mandato, em apenas três tweets, Trump impediu que pessoas trans fossem militares, revertendo assim uma directiva do anterior presidente, Barack Obama, que tinha instruído os três ramos das forças armadas a acolherem pessoas trans.

Também J. D. Vance, o vice-presidente eleito, introduziu ou apoiou, durante o seu mandato de senador (2023 e 2024), leis contrárias aos direitos das pessoas trans: uma delas previa a restrição de acesso a cuidados médicos a menores trans, impondo sanções criminais aos médicos que fizessem cirurgias de redesignação sexual. Este caminho deverá continuar.

O agora presidente eleito esclareceu no seu programa eleitoral que pretende “cortar o financiamento federal” a “qualquer escola ou programa que queira impingir a ideologia de género”, um termo sem validade científica usado para descredibilizar questões de identidade de género.

O programa refere ainda que Donald Trump estará empenhado em “manter os homens longe dos desportos das mulheres” e garante que irá ordenar às agências federais que acabem com programas que “promovem transição de género em qualquer idade”, bem como impulsionar uma lei federal que não reconheça legalmente as pessoas trans.

O Projecto 2025 refere que “a família americana está em crise” e que é preciso “salvar” o seu ideal de família nuclear, heterossexual e casada e quer também o regresso da restrição de pessoas trans no exército, uma política que entretanto tinha sido revertida por Joe Biden.

No início de Outubro, Trump disse que iria acabar com a protecção a alunos trans, atribuída pela administração Biden, “no primeiro dia” de mandato. A orientação executiva dizia que deveria ser “garantido a todos os estudantes um ambiente livre de discriminação com base no sexo, incluindo a discriminação com base no assédio sexual. “Digam às pessoas para não se preocuparem. Vai ser assinado no primeiro dia. Vai acabar”, garantiu Trump, numa entrevista ao programa de rádio conservador Kayal and Company.

Para a Ilga Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo), esta é “uma vitória do discurso de ódio sobre os direitos humanos, em particular os direitos das pessoas LGBTI+ e as suas famílias e pessoas próximas”.

“O discurso de ódio crescente que temos vindo a assistir, mascarado de liberdade de expressão e discurso populista, tem destruído a esperança de uma vida digna para muitas pessoas LGBTI+ no seu dia-a-dia. A eleição de Trump mostra como pode ser fácil colocar direitos em causa, forçando os movimentos da sociedade civil a voltar a focar-se nos seus objectivos, lutando pela a manutenção dos poucos direitos que nos são garantidos, ao invés de conseguir disponibilidade para pensar num futuro digno para todas as pessoas”, defende a associação.

O aborto

A posição de Donald Trump em relação ao aborto não é clara. Já defendeu que essa decisão deveria pertencer aos estados, mas há activistas pelo direito ao aborto que acreditam que esse direito pode estar em causa com a sua eleição, até porque o republicano se gaba de ter sido responsável pela escolha dos três juízes que revogaram a lei que dava ao Governo federal a prerrogativa de estender o acesso ao aborto em todo o país.

O Projecto 2025 quer impedir a compra de medicamentos abortivos ou equipamento médico necessário à realização de abortos, mas Trump afirmou que vetaria uma proibição federal ao aborto e que não iria banir o acesso a medicamentos abortivos caso fosse eleito.

Já o seu vice, J. D. Vance, defende que o acesso à interrupção voluntária da gravidez deveria ser limitado em todo o país.

Esta terça-feira, além de escolher o Presidente, os norte-americanos de dez estados foram também decidir se o direito ao aborto deveria estar consagrado nas suas constituições estaduais.

Sete dos dez estados que foram a votos – Arizona, Colorado, Maryland, Missouri, Montana, Nevada e Nova Iorque – aprovaram os referendos que protegem ou reforçam o direito ao aborto. A Florida, Nebraska e Dakota do Sul rejeitaram as medidas.

A imprensa

Os ataques à imprensa foram recorrentes durante o primeiro mandato de Donald Trump. O termo fake news era recorrente e Trump chegou mesmo a chamar à comunicação social “inimiga do povo”.

Se não havia pistas que dissessem que este discurso ia mudar, o discurso de vitória comprovou-o. “Disse ao J. D. para ir ao campo inimigo. Ele disse: ‘Ok, qual? CNN? MSNBC?’ Ele é um tipo que gosta de ir em frente, e depois destrói-os”, disse Trump no palco em West Palm Beach.

O comentário acontece uma semana depois de ter feito piadas com o facto de jornalistas serem baleados caso houvesse uma nova tentativa de homicídio num dos seus comícios: “Para chegar a mim, alguém teria de balear as fake news, e eu não me importo muito com isso”, afirmou.

A crise climática

O republicano chamou à crise climática “um dos maiores esquemas de todos os tempos” e prometeu um investimento reforçado nos combustíveis fósseis, sob o mote “Drill, baby drill”. Ao PÚBLICO, Michael Gerrard, director do Centro Sabin para a Legislação das Alterações Climáticas na Universidade de Columbia, tinha já referido que o mais provável será que Trump “enfraqueça e revogue muitas regulamentações ambientais e que se esforce pouco para que sejam cumpridas as que restarem”.

Tal como fez em 2017, espera-se que anuncie a saída dos EUA do Acordo de Paris e, possivelmente, o abandono da Convenção para as Alterações Climáticas, o que significaria a retirada das negociações diplomáticas sobre o clima.

Os Estados Unidos são o maior emissor de gases com efeito de estufa em termos históricos e o segundo maior actualmente, depois da China.

Para a Climáximo, com esta vitória ficou clara a “apatia” das pessoas, num momento em que “a proposta social era escolher entre a 6.ª e a 7.ª camada do inferno”. “Quando a outra campanha diz que propõe a saída do inferno, mesmo sem fundamento factual, não consegue mobilizar. Não é novidade, foi o que aconteceu em Portugal e em várias eleições na Europa ultimamente.”

Para os activistas, “sair deste beco implica um plano de justiça climática ancorada nos prazos da crise climática”. Por isso, convocam a acção Parar Enquanto Podemos para o dia 23 de Novembro, em Lisboa.

A política externa

Se no seu primeiro mandato os membros da NATO referiram que nunca antes tinham visto os EUA como um “aliado imprevisível”, essa imprevisibilidade pode aguçar-se ainda mais.

Ainda este ano, Trump disse que iria deixar a Rússia “fazer o que raio lhe apetecesse” aos países que acredita não estarem a contribuir o suficiente para a NATO. Em 2018, já tinha dado a entender que iria deixar a NATO, numa tentativa de pôr os membros a gastarem mais dinheiro em armamento.

Para a Palestina, a eleição de Donald Trump pode significar que há ainda menos oposição ao controlo da Cisjordânia e que um cessar-fogo pode ficar mais longe. No primeiro debate da campanha, o republicano apontou: “Joe [Biden] não percebe que Israel quer continuar e deve deixá-los acabar o trabalho. Ele não quer fazer isso. Tornou-se um palestiniano, mas eles não gostam dele porque é um palestiniano muito mau. É um palestiniano fraco.”

Nesse mesmo debate, não ficou claro se apoiava a criação de um Estado palestiniano.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, já congratulou Trump. Chamou-lhe o “maior regresso da História” e defendeu que este regresso “oferece um novo começo para a América e um reforço do compromisso entre a grande aliança” entre os dois países. “É uma enorme vitória”, terminou, antes de se despedir com “grande amizade”.

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