Apesar das dúvidas legais, Gondomar avança para abate de 32 sobreiros

Depois de impasse com APA e ICNF, câmara aprova abate para desbloquear abertura da Via do Nordeste. Oposição votou contra e lamenta falta de planeamento.

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O autarca de Gondomar Marco Martins admite que pode vir a ser acusado de crime. Nuno Ferreira Santos
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É um processo longo e cheio de diferendos com a administração central. Mas, nesta segunda-feira, a Câmara Municipal de Gondomar (CMG) deu um passo que pode significar a conclusão da Via do Nordeste, uma ligação rodoviária planeada desde os anos 1980.

No entanto, esse passo que é o corte de 32 sobreiros pode também significar problemas com a lei, que determina que o abate destas árvores sem autorização é crime. A oposição votou contra.

O problema surgiu com o início da empreitada do troço entre Rebordãos e Rua da Granja, em Rio Tinto. Só quando as obras começaram no terreno é que foram detectados 35 sobreiros que não estariam visíveis na altura do lançamento do concurso.

“Além de o projecto ser muito antigo, era uma zona inacessível, no meio do mato”, justifica o presidente da CMG, Marco Martins, aos jornalistas, no final do encontro. Só ao “desbravar caminho” no decurso das obras é que as árvores foram identificadas, acrescentou.

Em 10 de Março de 2022, a autarquia enviou um pedido ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para obter a aprovação do abate dos sobreiros.

O ICNF terá começado por autorizar o corte de três sobreiros isolados, considerando que, quanto ao resto, teria de ser obtida uma Declaração de Imprescindível Utilidade Pública (DIUP). Seguiu-se um diferendo em que os serviços da administração central (APA e ICNF) “não conseguiram entender-se, alegando erradamente que o projecto estaria sujeito a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA)”, lê-se no documento da proposta que foi a votação nesta segunda-feira, em reunião de executivo da CMG.

Para resolver o diferendo, a câmara do autarca socialista solicitou intervenção às secretarias de Estado com o pelouro do ambiente e do ordenamento do território, que acabaram por emitir a tal DIUP que, de acordo com o município, dispensaria a AIA.

Mesmo assim, lê-se no documento, até hoje, o ICNF não emitiu licença para concretizar o abate. “A APA continuou a interpretar abusivamente que aquela DIUP não é para aquele troço”, garante Marco Martins, que diz que a agência “fez confusão” entre troços e fases da obra que foram apresentados numa tabela.

Dúvida permanece

Assim, a câmara de Gondomar, por entender que a DIUP lhe permite avançar com o corte sem AIA, vai abater os 32 sobreiros “uma vez que o prejuízo para o interesse público será superior se a obra continuar parada”.

Mesmo com a proposta aprovado (bastaram os votos a favor dos membros socialistas do executivo, já que PSD e CDU votaram contra), Marco Martins não afasta a hipótese de o caso seguir para os tribunais.

“Nós tínhamos autorização por escrito para abate dos sobreiros em função do projecto de compensação que aprovámos e executámos”, explica o autarca. Falta apenas a “emissão do título para a concretização do abate”, nota.

“Estou totalmente convencido que a CMG cumpriu tudo e está autorizada [a avançar]. Estou também convencido que, provavelmente, poderá vir alguém dizer que, como a câmara não tinha um título, poderá estar a cometer um crime”, disse aos jornalistas. Mas acrescentou: “Estou a assumir a decisão de me defender desse crime de que possa vir a ser acusado”.

O vereador pelo PSD Jorge Ascenção justifica o voto contra pela “gestão de todo este processo” e pela forma “atrapalhada” como tem sido planeado.

Também o vereador pela CDU, Ivo Capas, critica a condução do processo, embora não ponha em causa a utilidade da obra. “Foi uma obra idealizada na década de 1980. Quando se iniciou, sentimos que não houve um trabalho para percebe como o meio urbano se desenvolveu ao longo do tempo para que este troço faça sentido”, considera.

Também entende que o executivo deve ter em conta as consequências que poderão advir desta decisão, caso o assunto siga para a justiça e lamenta que essa possibilidade não esteja plasmada na proposta que foi votada.

Na sequência da decisão, a CMG vai comunicar ao ICNF que vai avançar para o abate. Contactados pelo PÚBLICO, o ICNF e a APA não responderam.

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