Arcos de Valdevez contra linha de muito alta tensão proposta pela REN

Propostas de traçado, que estão em discussão pública até este sábado, desagradam a este município pois ora afectam pessoas, ora põem em causa valores naturais, como a Mata do Ramiscal.

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Um dos traçados aproxima-se do PNPG, a poente da freguesia de Sistelo, Arcos de Valdevez Sergio Azenha

As propostas de traçado da Linha de Muito Alta Tensão entre Ponte de Lima e Fontefria (já na Galiza), não agradam ao município de Arcos de Valdevez, que se pronunciou contra o projecto no âmbito da respectiva discussão pública, que termina este sábado. Este município, cujo presidente vai ser o primeiro autarca a liderar a comissão de gestão do Parque Nacional da Peneda Gerês, queixa-se dos impactos em aglomerados populacionais, numa das opções, e em património humano e natural, entre eles a Reserva da Biosfera Xeres-Gerês, na hipótese mais a nascente. 

Em causa está uma importante ligação de muito alta tensão entre o Norte de Portugal e a Galiza, cuja conclusão já leva vários anos de atraso e que acabou por ser dividida em duas fases. A primeira liga Vila Nova de Famalicão a Ponte de Lima e a segunda, que está em discussão pública até este sábado, compreende toda a extensão para norte, entre Ponte de Lima e Fontefría. Para esta fase são propostos vários troços, mas, pela sua extensão e impacto em vários municípios. são dois os principais: Um que se encosta mais a nascente, tocando os limites do PNPG e da Mata do Ramiscal, e um outro a poente, que se situa mais perto de aglomerados populacionais e que, no caso de Paredes de Coura, não anda longe de outra área protegida, a do Corno do Bico. 

“No concelho de Arcos de Valdevez, no qual o projecto abrange 18 freguesias, a autarquia considera “que qualquer uma das alternativas de passagem da linha de muito alta tensão tem efeitos negativos na saúde e bem-estar das pessoas, visto que atravessam aglomerados habitacionais, espaços urbanizáveis, agrícolas e florestais, bem como espaço classificado como Reserva da Biosfera, declarada pela UNESCO, provocando prejuízos ambientais, sociais e económicos”, escreve a autarquia no parecer enviado no âmbito da Avaliação de Impacto Ambiental, que pode ser consultada aqui.

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Em declarações ao PÚBLICO, já ao final da tarde desta sexta-feira, o presidente da câmara, João Manuel Esteves, explicou que o projecto, em alguns pontos, chega a violar o Plano Director Municipal dos Arcos. Inconformado com esta eventual machadada na paisagem de um concelho que tem tentado valorizar o seu potencial natural e humano, o autarca diz ter escrito ao ministro e à Agência Portuguesa do Ambiente, lembrando-lhes que qualquer um deles tem o poder de impedir, por motivos ambientais, a concretização das propostas em cima da mesa. 

Aliás, João Esteves questiona o facto de se estar sempre a rasgar o território com corredores de servidão para diferentes infra-estruturas desta dimensão. E defende que esta ligação em muito alta tensão a Espanha - de cuja utilidade duvida, não estando garantida a ligação do país vizinho a França - poderia ser feita usando o corredor de outras grandes ligações, como as ferroviárias, que estejam a ser planeadas. “Assim como está, vão-nos criar uma barreira”, lamenta. 

Arcos pede alternativas

O município propõe que a Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental se pronuncie contra as opções em discussão, e considera que deverão ser equacionadas e trabalhadas outras soluções que não conflituam com o bem-estar das populações e com a valorização social e económica do território. Da mesma opinião é o ambientalista Miguel Dantas da Gama, autor de várias obras sobre o Parque da Peneda-Gerês.

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Um dos traçados aproxima-se das Lagoas de Ponte de Lima Bruno Simões Castanheira

Anteriormente ligado, profissionalmente, ao sector da energia, este antigo membro da direcção do Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens tem noção da importância deste projecto para o Mibel - Mercado Ibérico de Electricidade, mas considera que devem ser equacionadas alternativas, dados os impactos negativos das propostas em cima da mesa. “Sabendo, por experiência profissional, da importância que uma linha AT representa para a economia nacional, também, pela mesma razão, conheço as implicações que a construção de uma infra-estrutura deste tipo e dimensão representa, desde logo pelo impacto paisagístico, mas também pelas intervenções no terreno que a sua implantação acarreta”, alerta. 

Miguel Dantas da Gama assinala que “os vales e cumes da serra da Peneda nos limites norte do vale do Ramiscal integram um território vital para a população de lobo que aí ocorre, são parte integrante da área de caça das águias-reais que o projecto do Parque Natural Baixo Limia-Serra do Xurés tenta fazer regressar e fixar na região. E, apesar de se situarem fora dos limites do Parque Nacional, pela sua importância, [estes espaços] mereceram legislação ambiental de protecção especial”, recorda este membro do conselho estratégico do PNPG que, nesta condição, pediu que a Direcção Regional do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, que tutela o parque nacional, interviesse na discussão pública.

Em relação ao troço mais a nascente, que quase toca os limites do PNPG e da Mata do Ramiscal, Miguel Dantas da Gama considera que a sua mera consideração teria sido evitada se se tivesse avançado com o alargamento dos limites do Parque, que em tempos chegou a propor, mas nunca foi por diante. O Ramiscal, é uma área de protecção integral, mas está numa posição excêntrica, longe do “coração” do parque. Tem à sua volta estradas e estradões que já levaram, há meses, este ambientalista a alertar para o incómodo que a sua frequência por adeptos do todo-o-terreno provocam no ambiente natural.

Autores do estudo admitem impactos

Os autores do Estudo de Impacto Ambiental assumem que, relativamente a mamíferos, “a área de estudo e os corredores se sobrepõem às áreas de distribuição descritas de três alcateias: Vez (confirmada), Vila Verde (confirmada) e Boulhosa (provável). A presença de lobo é considerada potencial para todos os troços em análise”. Já no que diz respeito aos morcegos, “nem a área de estudo, nem os corredores, sobrepõem qualquer buffer de abrigos de importância ou outros conhecidos. Destaca-se, por último, a presença de locais importantes para a conservação da toupeira-d’água na área de estudo e sua envolvente”, lê-se no resumo não técnico do EIA.

É na fauna, mais que na flora, que os autores detectam alguns riscos. Entre as 227 espécies de vertebrados contabilizadas na área em estudo, “35 estão classificadas como ameaçadas em Portugal (oito peixes, dois anfíbios, quatro répteis, 16 aves e cinco mamíferos). Todas as aves ameaçadas potenciais possuem susceptibilidade à colisão com linhas eléctricas de nível intermédio, à excepção do maçarico-das-rochas, que apresenta nível elevado” assumem. 

Neste âmbito ainda, destacam que “a área de estudo intersecta a extremidade de uma área crítica para aves de rapina, tal como definida pelo ICNB. No que diz respeito aos corredores em análise, o troço 9 [que passa a poente das Lagoas de Ponte de Lima, uma zona húmida com interesse internacional para as aves aquáticas] apresenta uma ligeira sobreposição com esta área, ao longo de perto de três quilómetros, numa faixa com largura máxima de 100 m. Na envolvência da área de estudo estão presentes mais algumas áreas críticas ou muito críticas para aves, a mais próxima a três quilómetros, para leste”, explicam. 

Notícia actualizada às 20h15 com declarações do presidente da Câmara de Arcos de Valdevez.

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