Na noite de quinta-feira, há um vai e vem de miúdos mascarados de bruxas, fantasmas, dráculas, abóboras (sim, basta por uma máscara de uma "cara de abóbora" e vestir um pijama ou fato de treino preto), pelas ruas do centro da vila. Entram nas pastelarias e restaurantes a dizer "doce ou travessura", essa frase tipicamente portuguesa. No restaurante onde estou sentada, o dono, um rapaz na casa dos 30 anos, sorri aos miúdos e às mães (igualmente mascaradas) e diz-lhes, num encolher de ombros: "Só amanhã." 

O dono vem até à esplanada cumprimentar os clientes. É interrompido por mais um grupo de miúdos, a quem dá o mesmo recado. "Não percebo isto, na minha terra o Pão por Deus é só amanhã. Já preparei uns doces para ter aí, mal abra as portas", comenta, confuso. É o Halloween, informamos.

E, na sexta de manhã, sentada noutra esplanada, observo os miúdos. São os mesmos, só que não trazem as caras pintadas, nem roupas negras ou ensanguentadas. Não. Parece que saíram da missa. Limpos, eles de pulôver claro e elas de laço na cabeça. As mães perderam o ar de diabinhas sexies e regressaram aos seus modos de matronas. Os miúdos entram na pastelaria e substituem o alegre "doce ou travessura" por um arrastado pedido de "pão por Deus..." É a isto que se chama globalização ou será aculturação? Eu citaria o estratega de Bill Clinton: "É a economia, estúpido!" Espertos os miúdos, a juntar o melhor dos dois mundos! 

Domingo passado, Carmen Garcia reflectiu sobre o Halloween, mais concretamente sobre as bruxas e como, nos dias de hoje, ainda há mulheres acusadas, condenadas e mortas por bruxaria. Peguei na ideia para assinalar este dia — que é o Dia das Bruxas e que já tomou conta do calendário dos mais novos, das suas escolas, das montras das lojas e até das escadas do meu ginásio, cheio de teias de aranha, caveiras e morcegos de papel —, e a jornalista estagiária Sara Lima Sousa conversou com dois investigadores para saber quem são as bruxas hoje e descobriu que, tal como no passado, são mulheres que metem medo... aos homens.

E que, por isso, a tentativa de as categorizar e de as controlar se mantém, que o digam as norte-americanas que têm sido catalogadas de "senhoras dos gatos", chamou-lhes assim o candidato a vice-presidente republicano, por serem solteiras e não terem filhos — tal como as bruxas de outrora, que eram representadas com um companheiro felino, negro, de preferência. E, por falar em gatos, um parêntesis para lembrar Hello Kitty, a personagem japonesa que nasceu a 1 de Novembro de 1974 e já deu vida a mais de 50 mil produtos e envolta na polémica se será uma gata ou uma menina!

Voltando às bruxas, há uns séculos, acreditava-se que havia mulheres que tinham um pacto com o diabo, o que servia de justificação para as torturarem e matarem. O real motivo, dizem os investigadores Mariana Marques e João Manuel de Oliveira era serem uma "ameaça à dominação masculina". E, nas últimas semanas, as mulheres ouviram que não deviam ter acesso ao voto, que só os maridos deviam votar ou então que elas deviam votar como eles, obedecendo-lhes. E quem lhes diz isso, cita São Paulo, "mulheres obedecei aos vossos maridos". Então, Paulo de Tarso  esqueceu-se da acrescentar: "Votem Trump."

Este é o candidato que, nos comícios, continua a negar-lhes direitos já adquiridos ou aqueles por que ainda têm de lutar. Promete-lhes que as vai proteger, mesmo que elas não queiram, revelando assim o que é. As mulheres tiveram de ouvir que a lei do aborto poder tornar-se ainda mais restritiva — leio no livro Eva, de Cat Bohannon, que nada é tão difícil como a gestação e como esta nos pode matar, que nada há mais violento que dar à luz (e, contudo, não falamos sobre isso, continuamos a romantizar a maternidade, mas há mulheres que morrem às portas de serviços de saúde, nos EUA, a quem lhes é negado auxílio)

Margaret Atwood, a autora de A História de uma Servapartilhou no Twitter, o cartoon de Mike Luckovich, "We´re going forward" (seguimos em frente, em tradução livre), onde as mulheres vestidas de servas, com as suas vestes vermelhas e cabeças tapadas com enormes toucados brancos, passam pela cabine de voto e assumem as suas roupas do dia-a-dia, de mulheres emancipadas, que decidem o seu futuro.

Apesar de ser uma eleição renhida, desde o primeiro momento que as celebridades — actores e cantores — têm revelado o seu apoio à candidata democrata (muito poucos o fizeram por Trump). Começou com George Clooney e, nesta semana, terminou com Jennifer Lopez e o basquetebolista LeBron James — ela de origem porto-riquenha que, com Ricky Martin, Luis Fonsi, Marc Anthony ou Bad Bunny, levantaram as suas vozes depois de um alegado comediante ter insultado a comunidade de Porto Rico, durante um comício de Trump, em Nova Iorque. Ele, um homem negro que poderá ajudar Kamala Harris a conquistar o voto dos homens negros. Não tem sido fácil para a candidata, mesmo com a ajuda de Obama.

Os homens sentem-se desconfortáveis com uma mulher no poder. Provavelmente, sentem-se ameaçados. Como se sentem os talibãs que antes decidiram que as mulheres não podiam falar em público e agora decretaram que não podem falar umas com as outras. Estes não citam São Paulo, mas Maomé, o profeta, que tem as costas largas para todos os extremismos.

Rachel Tashjian, jornalista do The Washington Post, escreve sobre o facto de os políticos procurarem sempre aproximarem-se da classe trabalhadora, quando estão tão distantes da mesma e como, no caso de Trump, quando pôs o avental para fritar as batatas num McDonalds ou andou às voltas num camião do lixo, tal não é mais do que uma caricatura. Contudo, causa impacto. "As pequenas fantasias de Trump são impactantes, pelo menos visualmente, porque mostram como funcionam os seus impulsos caricaturais. Toda esta charada é degradante para as pessoas que trabalham, não é empático."

Na recta final da campanha, a Reuters juntou as esperanças e as preocupações de uma série de personalidades e o ex-governador republicano e actor de origem austríaca, Arnold Schwarzenegger, anunciou que votaria no Partido Democrata. "Precisamos de fechar a porta a este capítulo da história americana [de divisão], e sei que o antigo Presidente Trump não o fará. Ele vai dividir, vai insultar, vai encontrar novas formas de ser mais antiamericano do que já tem sido, e nós, o povo, não vamos conseguir ter nada além de mais raiva", escreveu no antigo Twitter.

O geólogo espanhol Josep Maria Mallarach e a ilustradora Verónica Fabregat são os autores do livro infanto-juvenil A Sabedoria dos Povos Índigenas. Rita Pimenta escreve sobre este título e cita um exemplo, o dos polinésios que, para resolver conflitos, usam um método a que chamam "desenredar a rede". Em caso de desavença, a comunidade é chamada a envolver-se "através de conversas profundas". Quando chegam a acordo, os protagonistas "devem pedir desculpa publicamente e obter o aval dos membros mais respeitados da sua comunidade, quase sempre anciãos". Ou seja, procura-se a reconciliação e não a justiça. Um método que deveria ser seguido pelos actuais líderes políticos, conclui Rita Pimenta.

Boa semana!