O criativo brasileiro que levou a publicidade de Portugal ao topo do mundo

Vencedor dos principais prêmios publicitários do planeta, incluindo 11 Leões e o único Cannes Grand Prix ganho por uma agência portuguesa, Edson Athayde vê o mercado em transformação com o digital.

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Edson Athayde comemora o Leão de Ouro em Cannes pelo comercial “Laranja”, que relata a tragédia de Timor-Leste, de 1992 Arquivo pessoal
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Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.

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Nos últimos anos, o mercado publicitário tem passado por transformações significativas tanto em Portugal quanto no Brasil, dois países onde a criatividade e a inovação desempenham papéis centrais nas campanhas de comunicação. Segundo a Magna, unidade de inteligência do Grupo IPG MediaBrands, o mercado publicitário português deverá crescer, em 2024, cerca de 7% este ano e superar 800 milhões de euros (R$ 5 bilhões). No Brasil, o avanço também será notável: estima-se que o mercado movimente 14,3 bilhões de euros (14,3 mil milhões de euros ou R$ 88,6 bilhões), um aumento de 7,5% conforme previsão da Warc, empresa de pesquisa e eficiência de marketing da Ascential.

Esses dados refletem não só o dinamismo do setor em ambos os países, mas, também, os desafios e as oportunidades que apresenta para profissionais criativos. Em entrevista ao PÚBLICO Brasil, o publicitário Edson Athayde — uma das personalidades mais reconhecidas do mercado publicitário luso-brasileiro, CEO & Diretor Criativo da FCB Lisboa desde 2014 — compartilha suas experiências e desafios ao longo de quase 34 anos de carreira em Portugal e faz uma análise sobre o setor no país e no Brasil.

Athayde, que chegou a Portugal em 1990, enfrentou muitos obstáculos, desde barreiras culturais e linguísticas até a adaptação ao mercado publicitário de um país em reconstrução. Ao longo dessa trajetória, ele introduziu mudanças significativas no modo de fazer publicidade, aproximando o estilo brasileiro mais informal da rigidez tradicional do mercado português da época.

Ele revela, ainda, como a criatividade foi sua maior aliada e como as resistências iniciais se transformaram em portas abertas para uma carreira internacional de sucesso. Athayde compartilha os desafios de implementar novos modelos de comunicação e detalha como o mercado publicitário luso se desenvolveu desde então, passando por crises econômicas e pelo advento do marketing digital, que trouxe uma revolução ao setor.

Você chegou a Portugal há mais de 30 anos. Como foi esse processo? Quais foram os principais desafios que enfrentou quando decidiu deixar o Brasil e se estabelecer em Portugal?

Cheguei em Portugal no dia 1º de dezembro de 1990. Tinha apenas 24 anos. Já trabalhava em publicidade no Brasil desde os 17 anos. Embora fosse muito jovem, tinha experiência na área. Mas a decisão de vir para Portugal foi motivada por um contexto muito específico. O Brasil, naquele momento, havia acabado de eleger Fernando Collor de Mello como presidente, e eu sentia que não seria possível para mim prosperar em um país sob a gestão dele. O país parecia estar caminhando em uma direção que não se alinhava com a minha visão de mundo. Decidi, então, que precisava tentar algo novo, mesmo sem ter uma ideia clara de como as coisas funcionariam. Portugal, na época, era um país muito diferente do que conhecemos hoje. Era praticamente outro planeta. Estamos falando de um tempo antes da internet, antes da TV a cabo. As barreiras culturais e linguísticas eram muito significativas. Eu vim com a ideia de fazer um curso universitário aqui, trabalhar em restaurantes para me sustentar e ver o que aconteceria. Eu era jovem e disposto a correr riscos.

Como foi lidar com a barreira da língua? Mesmo sendo português, sabemos que as diferenças locais podem ser um desafio. Como conseguiu superar isso no ambiente publicitário?

Foi um desafio enorme. Morei e trabalhei em várias cidades do Brasil — Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife. Já tinha percebido que a língua portuguesa, embora seja a mesma, tem variações regionais. No Brasil, um baiano pode interpretar um texto de maneira diferente de um paulista, por exemplo. Então, quando cheguei a Lisboa, percebi que essas diferenças eram ainda mais acentuadas. Não só o sotaque, mas, também, a prosódia, ou seja, a maneira como as frases são construídas e entendidas, era completamente diferente. No entanto, em vez de tentar me adaptar completamente ao jeito português de falar, mantive minha maneira de escrever. Aos poucos, fui introduzindo pequenas mudanças. Por exemplo, na publicidade em Portugal, o uso de "senhor" e "senhora" era muito comum, enquanto no Brasil usamos o "você" de maneira mais descontraída. Trouxe essa informalidade para a publicidade portuguesa. Antes, o tratamento era sempre muito formal, mas eu percebi que o "você" poderia funcionar aqui, como um meio-termo entre o formal e o casual. Claro, isso levou algum tempo para ser absorvido, mas, eventualmente, tornou-se uma característica comum nas campanhas.

Como os profissionais portugueses reagiram às suas ideias?

No começo, houve resistência, como seria de se esperar. Eu era jovem e estrangeiro, então, para muitos, era um desafio aceitar alguém de fora trazendo novas ideias, especialmente em um país que estava se reconstruindo após a ditadura. Portugal, naquela época, estava saindo de um longo período de isolamento, e havia muito a ser feito. Mas a publicidade era uma indústria em crescimento, e tinha espaço para novidades. Eu era percebido como um jovem criativo, tive mais liberdade para experimentar. Por mais que existisse resistência, os portugueses são, de certa forma, rebeldes. Eles gostam de ser desafiados, mas não de maneira agressiva. Eu não era uma ameaça para ninguém, era apenas um garoto que estava tentando fazer algo diferente. E isso, de certa maneira, foi aceito. Acredito que o fato de eu não ter tido nada a perder me deu uma vantagem. Estava disposto a correr riscos, e os portugueses começaram a me ver de maneira mais positiva. Com o tempo, fui ganhando espaço, e meu estilo foi sendo assimilado pela indústria.

Um momento marcante da sua carreira em Portugal foi quando você ganhou dois Leões em Cannes. Como foi esse reconhecimento? E o que isso significou para o mercado publicitário português?

Ganhar esses prêmios foi uma experiência inesquecível, tanto para mim quanto para a publicidade em Portugal. Recebi mais de 1.000 prémios e nomeações em festivais nacionais e internacionais. Destaco Cannes (11 Leões, incluindo o único Cannes Grand Prix ganho por uma agência portuguesa). Essas vitórias colocaram Portugal no mapa da publicidade internacional e, de certa forma, deram uma volta olímpica ao país. Foi capa de jornais, matéria em telejornais. O país passou a acreditar que poderia competir internacionalmente no campo da publicidade, o que até então era visto como algo distante. Para mim, foi o momento em que minha carreira ganhou um impulso gigantesco, e abriu portas para outros profissionais criativos em Portugal.

Esses prêmios certamente ajudaram a estabelecer sua carreira em Portugal. Como vê a evolução da publicidade portuguesa desde então? E como ela se compara à publicidade brasileira e mundial?

Portugal evoluiu muito desde os anos 90, especialmente no que diz respeito à exportação de talentos criativos. Hoje, você encontra profissionais formados aqui trabalhando nas principais agências do mundo, seja na Inglaterra, seja nos Estados Unidos ou no Brasil. Eu mesmo enviei vários jovens portugueses que se formaram comigo para trabalhar em Nova York. Esse fluxo de talentos é uma prova de que a criatividade portuguesa atingiu um nível de competitividade global. No entanto, a indústria publicitária em Portugal também sofreu com a crise econômica, especialmente entre 2008 e 2015, quando praticamente encolheu. A crise teve um impacto profundo na publicidade, e muitos talentos acabaram saindo do país. Mas o talento criativo permaneceu. Quando a economia se recuperou, a publicidade voltou a florescer. Hoje, continuamos a ser competitivos, mas é um mercado muito menor do que era nos anos de 1990.

E a comparação com o Brasil?

Em comparação com o Brasil, a principal diferença é a escala. O mercado brasileiro é muito maior, há mais marcas, mais clientes, mais dinheiro. Isso sempre foi assim. Vejo como natural que a publicidade no Brasil tenha mais visibilidade e espaço para experimentação. Mas, em termos de qualidade criativa, Portugal não fica atrás. Mesmo sendo um mercado pequeno, conseguimos produzir campanhas de alta qualidade e ganhar prêmios importantes. O desafio é sempre equilibrar a quantidade com a qualidade.

O marketing digital vem transformando o cenário publicitário nos últimos anos. Como você vê o futuro da publicidade diante dessa evolução digital?

O marketing digital trouxe uma série de vantagens, mas também muitas ilusões. No início, muitos clientes acreditavam que poderiam obter grandes resultados com pouco investimento, especialmente com as métricas que o digital oferece. No entanto, já está ficando claro que isso não é uma fórmula mágica. O digital, assim como qualquer outro meio, exige técnica, arte, criatividade e emoção para realmente engajar as pessoas. Acredito que estamos em um momento de experimentação, e ainda não chegamos ao ponto de refinar totalmente a técnica. Vejo um futuro de convergência entre os princípios da publicidade tradicional e o potencial do digital. Ainda estamos longe de entender completamente como usar essas novas ferramentas da maneira mais eficaz. Mas tenho certeza de que, em breve, vamos começar a polir essa técnica, assim como aconteceu com a publicidade nos anos 80 e 90.

Para um jovem publicitário brasileiro que pensa em vir para Portugal, o que você recomendaria?

Sempre digo que Portugal não é a Terra Prometida. É um país com oportunidades, mas essas oportunidades não surgem do nada. Você precisa estar preparado, ter um plano e ser paciente. As coisas aqui demoram mais para acontecer do que no Brasil. Portanto, minha recomendação é que, se você está vindo para Portugal, tenha um plano de longo prazo e venha com a mentalidade de que será preciso persistência. Além disso, é importante ter um fundo de reservas suficiente para se manter por um tempo. As oportunidades podem não surgir imediatamente. Também aconselho que as pessoas não venham com a expectativa de que o país resolverá todos os seus problemas. Portugal é um país pequeno, e o mercado publicitário aqui reflete isso. As oportunidades existem, mas são limitadas. Se você vier com a mentalidade certa e estiver disposto a se adaptar, é possível construir uma carreira aqui, mas nada acontece da noite para o dia.

Você ainda tem algum envolvimento com o mercado publicitário brasileiro?

Mantenho uma relação muito próxima com o Brasil. Sempre acompanho o que está acontecendo no país, seja por meio de sites de notícias, YouTube ou redes sociais. Estou sempre atualizado sobre a cultura de massa brasileira, desde a música até a política. Embora eu não vá ao Brasil com tanta frequência; quando vou, geralmente passo um bom tempo por lá. Recentemente, passei três semanas no Brasil e pretendo voltar em breve. O Brasil sempre será uma parte importante da minha vida, tanto pessoal quanto profissionalmente.

A publicidade acaba de perder Washington Olivetto, único luso-brasileiro a entrar para o Hall da Fama da publicidade mundial. Qual a importância dele para a sua formação?

Ele foi fundamental. Lembro da vez em que, durante a quarentena forçada da pandemia, participei de uma roda de conversa com ele, que, generosamente, compartilhou histórias com jovens publicitários de Portugal. Naquela noite, ele revelou a saudade de jantar no Gambrinus, em Lisboa. Eu tive a honra de ler para ele um trecho do poema de Camões Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades”.

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