Em Setembro deste ano, foi noticiado que o Governo vai estudar a mudança de bitola da Linha do Vouga entre Oliveira de Azeméis e Espinho, entroncando directamente na Linha do Norte. O objectivo da proposta é simples - a ligação ao Porto. Mas será esta a melhor maneira de cumprir o objectivo subjacente?
A proposta reflecte o preconceito de que a via métrica condena a Linha do Vouga a ser um "comboio de brincar" obsoleto, um eterno "Vouguinha" e que será a bitola larga pela magia da interoperabilidade a fazer da linha um "Vougão". Trata-se de uma fixação tecnológica, uma visão redutiva de que mudar as características técnicas de uma infra-estrutura é condição suficiente e necessária para revolucionar o serviço prestado.
Olhemos para os eléctricos do Porto, que podem circular na infra-estrutura da Metro do Porto; ou para o 15E em Lisboa, onde circulam eléctricos modernos e históricos. Nem bitola nem tensão eléctrica determinam a tipologia de serviço.
Tenhamos esta noção: uma Linha do Vouga em bitola larga é uma linha nova. Para esta conseguir velocidades idênticas às permitidas pelo traçado actual é necessário alterar radicalmente o alinhamento.
Se é para se fazer uma linha nova, pergunte-se: "Qual a melhor linha para servir as Terras de Santa Maria?" A resposta não passa só pelo valor criado pela obra face contra o preço da empreitada:
- Se a empreitada obrigar à interrupção de todo o serviço entre Oliveira e Espinho, falamos de encerrar a Linha do Vouga por dois anos.
- Se não obrigar à interrupção do serviço, falamos de uma nova linha paralela a uma já existente. Não há "mudança de bitola" mas sim uma segunda Linha do Vouga.
Qual o efeito da obra na capacidade da rede ferroviária geral? Seria possível ter frequências decentes de São João da Madeira ao Porto sem ter quatro vias em toda a extensão do troço Espinho-Porto da Linha do Norte?
Consideremos então as alternativas. A mais óbvia solução para ligar a região ao Porto é aproximar o terminal da Linha do Vouga à estação de Espinho da Linha do Norte. Porém, não se cinja o debate a uma "Vouguinha" low-cost de via métrica contra um ambicioso "Vougão" de via larga.
Proponho antes um "Vouguinhão". Construir 20 quilómetros de linha entre São Paio de Oleiros e Santo Ovídio, em via métrica, electrificada, com velocidades máximas na ordem dos 100 km/h e uma frequência de paragens típica de um serviço suburbano. Eis pois um atalho que liga Paços de Brandão a Gaia em 25 minutos, onde o utilizador encontra tanto a Alta Velocidade como a rede do Metro do Porto.
Esta pequena revolução de 20 quilómetros aumenta o impacte marginal de uma pequena intervenção a montante da nova linha. Por exemplo, uma intervenção que retire seis minutos da viagem entre S. João da Madeira e Paços de Brandão valerá mais se de Paços de Brandão a Gaia durar 25 minutos do que se for preciso ir até Espinho e esperar pelo transbordo. Servir-se-ia um eixo da AMP hoje ignorado pela rede ferroviária e funcionaria, compensando populações afectadas pela construção da Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa.
A manutenção da via métrica tem então a vantagem de permitir raios de curva mais apertados, facilitando aproximar a linha das localidades (gastando menos em pontes e túneis), sem obras disruptivas na via existente.
A descontinuidade com a rede geral não tem de ser fatal. Olhemos para a Linha da Póvoa, onde a modernização do serviço foi associada às características técnicas do Metro. Aqui, a interoperabilidade teve um lado problemático: o congestionamento do tronco comum do Metro. Daí ser hoje inviável ter frequências competitivas na Linha da Póvoa.
O "isolamento" garante a disponibilidade horária necessária para um serviço do tipo metro. A linha poderia servir de tronco comum a novos ramais de vocação do tipo metro ligeiro de superfície. Poderia também ser prolongada a Campanhã com uma estação intermédia.
Resumindo, a bitola, seja ela qual for, não faz milagres. A mudança de via estreita para via larga é uma operação cara e complexa. Se o Governo determinar que a região carece efectivamente de uma operação cara e complexa para a sua mobilidade, que sejam consideradas outras operações caras e complexas para determinar qual delas a mais viável. "Vouguinha" vs. "Vougão" é uma falsa dicotomia.