Vale pena esperar um ano para atravessar a ponte

“O mais bonito da Festa do Avante é que se vive ali um espírito de paz e solidariedade”, escreve a leitora Maria Goreti Catorze.

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Na Festa do Avante Maria Goreti Catorze
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Vou uma vez por ano à outra banda, que é como quem diz, à margem sul do Tejo. O trânsito na ponte é o terror de quem quer passar para o lado de lá.

Durante anos, até me ter rendido ao comboio, abdiquei do prazer que representa para mim ir ao Seixal para estar na Festa do Avante. Criei o hábito de olhar a Ponte 25 de Abril pela janela e comentar: então como é que está hoje o trânsito na ponte? O interlocutor, desprevenido, começa a pensar que vivo do outro lado. Mas não. Na verdade, só vou ao Seixal por causa do Avante.

Dantes "a festa", como lhe chamam os próximos do partido, era em Lisboa. Conheceu vários locais (agora diz-se espaços) até se ter fixado ali. Nesse tempo os festivais de Verão não se tinham multiplicado como agora, em que toda a gente acha normal alugar um espaço público onde cabe muita gente e se faz muito barulho. Também nisso a Festa do Avante foi pioneira, ao instalar-se por três dias nos terrenos do Alto da Ajuda com vista para o Tejo. Foi lá que os Trovante cantaram para 100.000 pessoas, o Chico Buarque deu um concerto memorável e o Carlos do Carmo era cabeça-de-cartaz sem cobrar cachet.

Depois, a celeuma foi tanta que a festa, de sítio em sítio, foi empurrada para uma quinta obscura na Amora/Seixal: a Quinta da Atalaia. Eu só conhecia a Amora do remetente duns postais de Natal antigos que um tio-avô nos enviava porque tinha lá vivido. A muito custo lá atravessávamos a ponte, deixávamos o carro longe e íamos a pé até ao portão, sempre a dar palpites sobre a morada do dito tio (seria aqui? seria ali? Nunca lho perguntámos porque constava que ele não queria nada com comunistas).

A quinta era muito quente, cheia de pó, pouco arborizada. O primeiro fim-de-semana de Setembro é incerto, ora chove ora faz sol, mas do que me lembro quase sempre é de estar um calorão. Depois ampliou-se, ganhou terrenos para o lado do estuário (contíguo à baía do Seixal), preencheu-se de sombras e relva (o pó nunca desapareceu totalmente…), um pequeno lago natural, onde se faz o slide, piscinas no alinhamento da velha piscina circular central, dois terraços-esplanada com vista sobre Lisboa e o mar da Palha, parque infantil e uma roda gigante. O espaço internacional continua lá em cima junto ao portão da Quinta da Princesa. Nós, e tanta gente, passámos a entrar pelo portão novo da Quinta do Cabo assinalado por duas chaminés de tijolo vermelho.

Mas o mais bonito da festa, que tantos criticam por pura mesquinhez, é que é mesmo muito bem organizada, muito limpa, muito cheia de famílias com crianças felizes, porque se vive ali um espírito de paz e solidariedade. As causas, como a da Palestina, até podem estar perdidas, mas continuam a ser causas para quem teima em não desistir de acreditar nelas. O cartaz musical continua a privilegiar a música portuguesa de diversos géneros musicais, desde o habitual concerto de abertura pela Sinfonieta de Lisboa, até aos outros estilos mais ou menos alternativos, sempre de qualidade e aliando os valores emergentes (em 2024 a Ana Lua Caiano) aos consagrados de longa data. Vale pena esperar um ano, para atravessar a ponte. Bem-vindos à Festa do Avante. Até amanhã, camaradas.

Maria Goreti Catorze

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