A rainha da tapioca saiu do Pará para unir brasileiros e portugueses da mesma família

Depois de muitas decepções, a paraense Cidália França reconstruiu a vida produzindo tapioca numa carrocinha perto de casa. Há sete anos, ela se mudou para Portugal e os quitutes se tornaram sucesso.

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Cidália França desembarcou em Portugal há sete anos. Ela sonha em ter o próprio negócio com tapiocas Arquivo pessoal
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Foi num dos períodos mais difíceis de sua vida, que a paraense Cidália França, 38 anos, descobriu o quanto a tradicional tapioca seria fundamental para ela. “Sabe aquele momento em que tudo conspira contra você? Pois foi o que aconteceu comigo”, diz. Depois de perder o emprego, viu a pessoa que tinha escolhido para viver junto ir embora e, sozinha, descobrir que estava grávida.

Mas, como nunca foi de entregar os pontos, a jovem recorreu à memória dos avós, um português de Condeixa-a-Nova, distrito de Coimbra, que havia emigrado para o Pará, e uma índia da Ilha de Marajó. Desde muito pequena, Cidália associava ao casal a tapioca preparada pela avó, recheada de bacalhau acebolado. “Dizia que o bacalhau simbolizava meu avô e a tapioca, minha avó, um casamento perfeito”, lembra.

Cidália montou, então, uma carrocinha na qual começou a fazer algumas tapiocas para os vizinhos. Aos poucos, a fama dos quitutes atravessou fronteiras. Eram tantos os pedidos, que ela chegou a fazer 500 tapiocas por dia. “Isso me ajudou muito. Preparava tudo para que tivesse aquele gostinho da tapioca da minha avó”, afirma. Naquele tempo, a paraense nem pensava em se mudar para Portugal, ainda que parte da família fosse de origem lusitana.

Apesar das dificuldades, a jovem não abriu mão de estudar: formou-se, primeiro, em comunicação social, depois, em letras. Trabalhou como jornalista um tempo, sem abdicar do preparo daquela tradição gastronômica do Norte e do Nordeste brasileiros. O tempo foi passando, e a sementinha do desejo de cruzar o Atlântico começou a brotar meio que por acaso. Até que, um dia, ela, a mãe, também Cidália, e a filha, Cecília, então com dois anos, fizeram as malas com destino a Portugal.

Desafio aceito

Quando pisou em solo português, há sete anos, a tapioqueira empregou-se em um hotel no Porto. Ao mesmo tempo, passou a procurar pela família do avô. Numa das mensagens que propagou pelas redes sociais, dizia que não queria herança, só desejava saber como estavam e como viviam os parentes do avô, dos dois irmãos dele e de dois primos que foram construir uma nova vida no Brasil. “Eles perderam totalmente o contato com os familiares de Portugal. Nunca soubemos notícias de ninguém”, conta. Foram meses até que ocorressem as primeiras conversas entre Cidália e os parentes do avô.

“Hoje, nos damos muito bem. Inclusive, sempre que nos reunimos, a tapioca reina no cardápio”, ressalta a paraense. Depois de dois anos morando no Porto, Cidália cruzou a ponte até Vila Nova de Gaia para um novo emprego, no Hotel The Yeatman. Assim que chegou para a entrevista, o chef de cozinha a desafiou a preparar uma tapioca. Não que ele soubesse das habilidades dela com o quitute. O problema era que ele nunca havia conseguido preparar uma tapioca decente para oferecer aos hóspedes do estabelecimento.

Para quem tinha reconstruído a vida vendendo tapioca em uma barraquinha em Belém do Pará, aquele desafio era quase nada. Ela foi para o fogão, recorreu às receitas da avó e foi contratada. Cinco anos depois, tornou-se a rainha da tapioca, como é chamada nos eventos que participa sobre culinária brasileira para explicar as técnicas de se preparar uma boa iguaria. "Eu mesmo hidrato a farinha que uso, com base no polvilho que importamos”, diz.

Cidália conta que, tanto no hotel quanto em feiras para as quais é convidada, a campeã na preferência do público é a tapioca com bacalhau acebolado, o casamento perfeito.“Mas também me pedem muito a tapioca mais simples, apenas com manteiga. Entre as doces, o sucesso maior é a tapioca com chocolate e frutas vermelhas”, detalha.

O sabor do sal

Segundo Cidália, uma das técnicas para deixar a tapioca mais saborosa é jogar uma pitada de sal na farinha, seja para a doce, seja para a salgada. “O sal ressalta o sabor do recheio”, ensina ela, que fez a escola de cozinha em Portugal e cursou um mestrado em cozinha internacional em Madri, na Espanha. “Muitas pessoas dizem que consegui transformar um prato rústico, que, no Brasil, substitui o pão, por ser mais barato, em algo sofisticado”, assinala.

A paraense tem muitos sonhos. “Quero ter o meu próprio negócio, pois criei uma marca a ser explorada”, frisa. “Mas também quero unir a comunicação à gastronomia. Para isso, estou desenvolvendo um embrião, um site voltado para imigrantes, para que possam se inspirar. Quero falar de como a culinária portuguesa nos inspirou em muita coisa, sobretudo na região em que nasci. Ali, foram os portugueses e os indígenas que, com suas culturas, deram origem ao que comemos no Pará”, afirma. “As sementes estão sendo plantadas”, avisa.

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