Educação
O que nos diziam sobre a falta de professores há uma década
Todas as semanas, os temas que interessam aos professores, pelas jornalistas Andreia Sanches e Cristiana Faria Moreira.
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Caro leitor
Hoje começo com uma pergunta: que medidas são de evitar para resolver a falta de professores? Esta lista tem à volta de 13 anos:
“— Baixar a qualificação dos docentes;
— Colocar profissionais a ensinar áreas científicas sem conhecimentos didácticos adequados;
— Colocar professores a leccionar áreas para as quais não estão qualificados;
— Colocar estudantes que completem o mestrado que habilita para a docência sem o devido período de indução ou outros programas de entrada na profissão;
— Alargar o horário de trabalho dos professores;
— Aumentar o número de alunos por turma.”
Quando alguns países enfrentavam desde o princípio do século uma forte carência de professores, a OCDE recomendava, em 2011, que se evitassem medidas como as que atrás referi.
O facto é recordado num estudo apresentado esta semana, chamado Reservas de Professores Sob a Lupa – Antevisão de professores necessários e disponíveis, coordenado pela investigadora Isabel Flores e publicado pelo Edulog, o think tank da Fundação Belmiro de Azevedo direccionado para a área de Educação. É o segundo volume de um trabalho maior – a primeira parte tinha sido dedicada à realidade laboral e demográfica dos professores portugueses; uma terceira análise deverá surgir nos próximos meses, mas já lá vamos.
“Devem evitar-se respostas de curto prazo para se evitar a degradação da qualidade do ensino”, continua o trabalho divulgado esta semana, ainda na parte em que cita a OCDE. A organização que congrega os países mais desenvolvidos do mundo defendia que um dos focos dos decisores políticos deveria ser a melhoria da imagem da classe, para que a profissão fosse mais atraente.
Foi há mais de uma década. Muitas soluções foram testadas. Só que o problema da falta de docentes generalizou-se e nalguns países agravou-se muitíssimo. Portugal juntou-se ao grupo dos aflitos.
E o que a OCDE desaconselhava em 2011? Países ricos, e aflitos, acabaram a ignorar as recomendações.
Em Portugal, as conclusões da análise feita pelo Edulog são inquietantes. “A falta de professores acentuar-se-á até ao final da década no pressuposto de que as condições actuais não se alteram", começa por dizer.
"As reservas de professores tenderão a desaparecer entre 2026 e 2030, impossibilitando a substituição dos docentes que faltem durante o ano lectivo, assim como os que, entretanto, se aposentem. Em 2021 as principais carências resultavam da dificuldade de substituir ausências temporárias [baixas por doença]. Em 2031, mantendo-as condições actuais, estas carências serão visíveis pela via da colocação permanente e pela incapacidade total de substituir professores ausentes, pelo menos por professores igualmente qualificados.”
Em resultado, o número de dias que os alunos em Portugal ficarão sem aulas irá subir "exponencialmente".
O país precisa de formar mais professores (só um exemplo, ao ritmo actual de formação estima-se em 284 o número de novos professores de Física e Química até 2030, quando serão necessários 1850).
O país precisa ainda, prossegue o estudo do Edulog, de “abrir a profissão a indivíduos com formação científica, proporcionando formação em regime pós-laboral".
Precisa também de “proporcionar bolsas de estudo extraordinárias para estudantes que optem por esta via nas instituições de ensino superior, incluindo isenção de propinas e pagamentos mensais de valores que permitam a subsistência – ao nível do salário mínimo nacional”. E de “garantir que a possibilidade de evolução da carreira está ancorada no desempenho de cada um e que é possível evoluir sem ser apenas por idade”. Várias outras recomendações são deixadas.
A terceira fase do estudo deverá abordar outros temas. David Justino, ex-ministro da Educação, investigador e membro do Conselho Consultivo do Edulog, defende que “não estamos perante um problema irresolúvel”. Mas que além de formar mais professores é preciso olhar para a rede de oferta de ensino que temos.
“Andámos muitos anos a viver de muitos professores. E depois aumentámos o número de disciplinas, reduzimos o número de alunos por turma. Tudo isso se traduz em mais professores. Neste momento, há uma média nacional de 20 alunos por professor. Essas médias são mais elevadas no ensino básico e mais baixas no secundário e nalguns cursos profissionais. É uma situação que, se calhar, tem de ser revista e melhorada", disse numa entrevista à jornalista Clara Viana.
“No início do próximo ano, vai sair um terceiro estudo, que já estou a fazer, sobre o que é isso de necessidades de professores. Porque essas necessidades estão definidas em função do currículo, dos horários, da rede escolar”, acrescentou.
No final da semana passada, Fernando Alexandre explicou no Parlamento o impacto que o seu plano de emergência está a ter: há mais 7431 alunos com aulas graças às "mais 1016 horas extraordinárias realizadas pelos professores face ao mesmo período de 2023"; o número de candidatos às escolas das regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, onde a falta de professores é mais acentuada, foi mais do dobro do número de vagas que a tutela abriu num concurso extraordinário ao qual também puderam concorrer os docentes com habilitação própria, isto é, sem habilitação profissional; o número de professores que tinham deixado a profissão e decidiram voltar superou os 550... há mais “3438 novos professores no sistema educativo”.
Com maior ou menor alcance, as medidas estão a traduzir-se num reforço. Que não evita que, na semana passada, mais de 20 mil alunos continuassem sem aulas a pelo menos uma disciplina.
Tanto os números do Edulog, como as experiência que há anos outros têm levado a cabo, mostram que este é um problema que permanecerá na agenda durante muito tempo.
Voltamos na próxima quinta-feira