Portugal com valor mais alto de vítimas de tráfico de seres humanos em 15 anos

Grande maioria das vítimas estavam a ser usadas em exploração laboral. Casos ligados ao futebol catapultam o Norte para o topo das regiões mais visadas

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A exploração laboral continua a ser a principal razão associada aos crimes de tráfico de seres humanos em Portugal Rui Gaudêncio (Arquivo)
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O Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) sinalizou 650 presumíveis vítimas deste crime em 2023, número mais elevado desde 2019, sendo as principais nacionalidades identificadas Brasil, Colômbia, Timor-Leste e Nepal, revela o relatório daquele organismo. No que concerne ao crime de tráfico de pessoas, foram 92, acrescenta o mesmo documento, o que também configura um aumento, pelo terceiro ano consecutivo.

O relatório Tráfico de Seres Humanos 2023, do OTSH, tutelado pelo Ministério da Administração Interna, e agora divulgado, dá conta que aquele organismo recebeu 650 registos de presumíveis vítimas no ano passado, um acréscimo de 72% (mais 272) em relação a 2022. O documento avança que o número total de sinalizações em 2023 "é o mais elevado" dos últimos quatro anos e, com excepção de 2020 (ano da pandemia de covid-19), observa-se uma "tendência anual de aumento no número total de registos", especialmente em Portugal.

Segundo o relatório, 622 dos casos foram sinalizados em Portugal e 15 foram casos de portugueses no estrangeiro.

O OTSH indica que Portugal se mantêm como país de destino de tráfico de seres humanos, à semelhança do que aconteceu em 2022, sublinhando que desde 2020 se regista uma diminuição na tipologia de país de trânsito.

A maioria das presumíveis vítimas de tráfico de seres humanos em 2023 eram homens adultos, referindo o observatório que isso está relacionado com o principal tipo de exploração mais sinalizado no país, que é o laboral.

O relatório indica que a maioria das presumíveis vítimas foram sinalizadas para fins de exploração laboral (82,7%), seguindo-se, com uma diferença significativa, fins de mendicidade forçada (2%) e exploração sexual (1,7%), existindo também quatro sinalizações de adopção.

Segundo o observatório, há ainda outros tipos de tráfico de seres humanos sinalizados em 2023, mas com valores residuais: escravidão, prática de actividades criminosas e casamento forçado.

No ano passado foram sinalizados casos de 40 nacionalidades, sendo a maioria das presumíveis vítimas de tráfico de seres humanos oriundas do Brasil (52), Colômbia (50), Timor-Leste (40), Nepal (39) e Argélia (19).

Alentejo e Norte em destaque

O OTSH destaca igualmente que o Alentejo continua a ser a região com mais situações de tráfico de seres humanos sinalizadas, estando esta representatividade associada ao registo de grande ocorrências para fins de exploração laboral, principalmente na agricultura, seguido do Norte, com incidência nos casos ligados à exploração do futebol, numa operação que ficou conhecida como El Dourado em que foram construídos sete arguidos.

Esta operação contribuiu também para o aumento em 2023 do número de crianças sinalizadas, 52 no total (um aumento face aos 26 casos de 2022), estando a maioria (36) destas sinalizações confirmadas como relacionadas com este caso de exploração no futebol.

Segundo o documento, as crianças presumíveis vítimas de tráfico tinham a média de idade de 14 anos, são rapazes da Colômbia, México, Brasil e El Salvador. Há ainda quatro casos de tráfico por adopção.

O relatório acrescenta que, dos 622 casos sinalizados em Portugal, estavam confirmados 130 casos de vítimas de tráfico de seres humanos, 124 dos quais em situações laboral.

No ano passado, 57 presumíveis vítimas foram acolhidas nos centros de acolhimento e protecção para vítimas de tráfico de seres humanos, representando um decréscimo face a 2022, quando houve 67 acolhimentos. A maioria das pessoas acolhidas foram homens adultos, sobretudo de tráfico para fins de exploração laboral e, entre as principais nacionalidades estiveram Angola (7), Argélia (5), Marrocos (4), Brasil (8), El Salvador (4) e Índia (11)

Crimes praticados por homens

No que se refere ao crime de tráfico de pessoas, as autoridades registaram 92 casos (mais três do que no ano anterior), com o Norte a surgir como a zona com o número mais elevado (20), ultrapassando o Alentejo, que em 2022 estava no topo desta lista, com 19 casos.

No âmbito dos crimes contra a liberdade pessoal, o crime de tráfico de pessoas representou no ano passado 0,5% do total de crimes registados, sendo o mais representativo a ameaça e coacção (94,6%).

A maioria dos suspeitos de crimes de tráfico de pessoas eram homens e tinham entre 25 e 50 anos.

O relatório destaca também que em 31 de Dezembro de 2023 existia um total de 22 reclusos condenados por tráfico de pessoas, sendo a maioria do sexo masculino, com 21 ou mais anos e de nacionalidade portuguesa.

O OTSH indica igualmente que, entre os ilícitos considerados como criminalidade conexa, registou-se no ano passado um aumento dos crimes de auxílio à imigração ilegal, com 267 crimes registados (+55% do que em 2022), associação de auxílio à imigração ilegal, com 14 crimes (+17%), e angariação de mão-de-obra ilegal, com oito crimes (+%33).

Em sentido inverso, com um decréscimo face a 2022, o observatório aponta os crimes de lenocínio e pornografia de menores, com 314 crimes registados (-23%), imigração ilegal, com 153 crimes (-26%), utilização de menor na mendicidade, com quatro crimes registados (-60%).

De acordo com o documento, no ano passado registou-se também um aumento do número de inquéritos-crime na PJ, passando de 103 em 2022 para 191 em 2023.

O relatório dá ainda conta que a Guarda Nacional Republicana (GNR) registou no ano passado um "acréscimo global" no número de acções de fiscalização contra o tráfico de seres humanos, especialmente na actividade agrícola.

Também a Polícia de Segurança Pública (PSP) aumentou o número de operações e o número de estabelecimentos fiscalizados, sobretudo nos estabelecimentos de diversão nocturna.

A nível internacional, GNR, PSP, Polícia Judiciária e Autoridade para as Condições do Trabalho mantêm acções coordenadas com a Europol, a agência europeia de controlo de fronteiras Frontex e a Interpol, direccionadas para tráfico de seres humanos para fins de exploração laboral, sexual, mendicidade forçada e prática de actividades criminosas.