Teorias da conspiração e processos na justiça: como Trump se prepara para não aceitar (outra vez) uma derrota
Tal como aconteceu em 2020, o candidato republicano e os seus aliados armam plano para contestar o resultado das eleições nos EUA se a democrata Kamala Harris vencer.
A poucos dias das eleições nos EUA e com a incerteza em relação ao resultado traduzida nas muitas sondagens que mostram um empate técnico nos estados onde tudo será decidido, uma coisa é clara: para Donald Trump, só poderá haver um vencedor legítimo a 5 de Novembro - ele próprio.
Que o candidato do Partido Republicano nunca irá docilmente naquela noite é desde há muito tempo um dado mais do que adquirido. Trump nunca reconheceu a derrota para Joe Biden na eleição de 2020 e não irá fazê-lo novamente se a maioria dos votos eleitorais cair para o lado de Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata. Há quatro anos, as suas tentativas saíram todas frustradas, quer nos tribunais quer no Congresso, onde a violência por si instigada no Capitólio a 6 de Janeiro de 2021 abalou mas não ruiu os pilares da democracia americana: o Presidente eleito pelos votos dos cidadãos norte-americanos foi confirmado como tal.
A história irá repetir-se em 2024, mas, desta vez, o plano de Donald Trump e dos seus aliados para subverter as eleições possui o nível de organização que faltou em 2020 – e se prolongou pelo ano seguinte –, quando a futilidade legal dos processos desencadeados na justiça foi rapidamente desmontada pelos juízes e as alegações de fraude eleitoral saíram caras a vários dos seus fervorosos apoiantes. Como Rudy Giuliani, o antigo mayor de Nova Iorque, condenado por difamar duas funcionárias eleitorais no estado da Georgia, ou a Fox News, forçada a pagar quase 800 milhões de dólares à Dominion Voting Systems, a empresa que acusou, falsamente, de alterar as máquinas de voto electrónico para roubar a eleição.
O manual para contestar uma possível derrota nesta eleição não difere do passado: acusações preventivas de fraude eleitoral, teorias de conspiração destinadas a questionar a integridade da eleições, principalmente nos swing states, os estados decisivos, e a apresentação de processos na justiça a pôr em causa regras eleitorais previamente estabelecidas. A grande diferença está, para já, na escala. Até Setembro, o Comité Nacional do Partido Republicano e outras organizações afiliadas estavam envolvidos em mais de sete dezenas de processos, a maior parte deles baseada na teoria de que os estados em questão não estão a fazer uma manutenção adequada dos seus cadernos eleitorais, permitindo assim a presença de eleitores inelegíveis para votar, incluindo mesmo não-cidadãos e pessoas que já faleceram.
O voto dos não-cidadãos
No Michigan, um estado decisivo, por exemplo, os republicanos levaram para a frente uma acção judicial na qual alegavam que 76 dos 83 condados do estado tinham mais eleitores do que cidadãos elegíveis para votar ou taxas de registo eleitoral “suspeitamente elevadas”. O processo, interposto em Março, acabou por ser indeferido este mês por um juiz federal que deu como suficientes os procedimentos estaduais para remover eleitores não ilegíveis para votar.
Mas, esta quarta-feira, o Supremo Tribunal dos EUA deu razão à decisão da Virgínia de eliminar cerca de 1600 pessoas dos cadernos eleitorais que as autoridades do estado concluíram não ser cidadãos americanos, embora a Administração Biden e grupos de defesa do direito de voto tenham defendido que, entre os eleitores afectados, se encontravam verdadeiros cidadãos dos EUA. A maioria conservadora – seis para três – dos juízes do Supremo Tribunal reverteu assim a decisão, tomada na sexta-feira por um juiz federal, de restaurar o registo dos eleitores afectados.
Tendo em conta a ênfase dada à retórica anti-imigração na campanha republicana, Trump e os seus aliados têm repetido, sem citar provas, que um grande número de pessoas que não são cidadãos dos EUA poderá votar nas eleições, mesmo perante os estudos que demonstram que a votação de não-cidadãos é muito rara.
Os processos na justiça não podem ser dissociados da desinformação e das teorias da conspiração destinadas a pôr em causa a legitimidade do processo eleitoral dos EUA que nas últimas semanas estão a ser partilhadas – por organizações de direita, pela campanha de Trump e por grupos de propaganda com ligações à Rússia – nas redes sociais Facebook, Instagram e X (antigo Twitter), neste último caso propaladas pelo próprio dono da plataforma e apoiante de Donald Trump, Elon Musk.
Dois exemplos, referidos pela revista Wired: os funcionários eleitorais de um condado na Pensilvânia, talvez o mais decisivo dos swing states, destruíram os votos por correspondência depositados em Donald Trump; ainda na Pensilvânia, 180 mil amish registaram-se para votar quando só vivem 92.600 amish no estado, incluindo menores.
“A democracia só funciona se as pessoas acreditarem nela. E este é todo um movimento que se baseia na desconfiança em relação às nossas eleições e na disseminação dessa desconfiança”, considera, em declarações ao Guardian, Sean Morales-Doyle, especialista em direito de voto do Brennan Center for Justice.
Mesmo com o que aconteceu em 2020 em mente, há uma coisa que as autoridades eleitorais dizem não ser capazes de prever ou controlar: o que Trump e os seus aliados poderão dizer na noite da eleição enquanto os votos ainda estão a ser contados. “Se a diferença for mínima, eles vão atirar com tudo o que têm”, disse à Reuters Lisa Deeley, democrata, comissária municipal da Filadélfia. “Não há nada que possamos fazer para impedir o antigo Presidente de continuar a sua campanha de desinformação. Mas o que podemos fazer é contrariar com factos.”