Mais de 200 mil pessoas cancelam assinaturas do Washington Post após bloqueio de apoio a Kamala Harris

Mais de 200 mil pessoas cancelaram assinaturas entre sexta e a manhã de segunda-feira. Pelo menos dois colunistas pediram a demissão e dois jornalistas abandonaram o conselho editorial do jornal.

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Mais de 200 mil pessoas cancelaram as suas assinaturas digitais desde sexta-feira Candice Tang / SOPA Images via Reuters
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O The Washington Post está a ser abalado por uma onda de cancelamentos de assinaturas digitais depois da decisão tomada pela direcção do jornal norte-americano de não apoiar nenhum dos candidatos à presidência dos Estados Unidos na eleição de 5 de Novembro. Segundo avança a rádio NPR, que cita duas fontes do jornal, mais de 200 mil pessoas suspenderam as assinaturas entre sexta e a manhã de segunda-feira e o número de cancelamentos continuou a crescer na tarde de segunda-feira.

Nem todos os cancelamentos entram em vigor no imediato mas, ainda assim, representam cerca de 8% da circulação paga do jornal, que tem aproximadamente 2,5 milhões de assinantes (incluindo a edição impressa). À NPR, um porta-voz corporativo recusou-se a comentar o assunto, mas o ex-editor executivo Marcus Brauchli refere que é um "número colossal". "O problema é que as pessoas não sabem por que é que a decisão foi tomada. Sabemos que a decisão foi tomada, mas não sabemos o que levou a isso".

A onda de cancelamentos foi precedida por dezenas de críticas por parte dos funcionários do jornal — pelo menos dois colunistas pediram a demissão e dois jornalistas abandonaram o conselho editorial desde sexta-feira. Uma dessas jornalistas, Molly Roberts, alertou, numa nota publicada nas redes sociais, para as "possíveis consequências da decisão de última hora de ficar calado" em vez de publicar o editorial que endossava Harris. "Donald Trump ainda não é um ditador, mas quanto mais calados estamos, mais perto ele chega", disse.

Também o jornalista David Hoffman, que no dia anterior ao anúncio da decisão recebeu um prémio Pulitzer de jornalismo, decidiu sair do conselho editorial do jornal. Os júris do prémio reconheceram Hoffman por uma série de artigos "convincentes e bem investigados" sobre as novas tecnologias e as tácticas que os regimes autoritários utilizam para reprimir a dissidência na era digital e como estas "podem ser combatidas”.

Segundo explicou na sexta-feira Will Lewis, director e CEO do jornal, o Post pretende “regressar às suas raízes de não apoiar nenhum dos candidatos”. Lewis reconhece que a decisão poderá ser vista como “um apoio tácito a um dos candidatos, ou como a condenação do outro” por parte da direcção e argumenta que se trata de uma “declaração de apoio à capacidade dos nossos leitores para decidirem por si próprios”. É a primeira vez em 36 anos que o diário não declara o seu apoio a um dos concorrentes à Casa Branca.

No entanto, poucos são os que acreditam nesta explicação, dado o timing da decisão, anunciada poucos dias antes de os eleitores serem chamados a votar. Através de um comunicado, o sindicato The Washington Post Guild, que representa quase mil jornalistas e funcionários do jornal, garantiu que a direcção já tinha redigido um editorial a declarar o seu apoio à vice-presidente e candidata democrata Kamala Harris, e que a decisão de não o publicar foi tomada pelo proprietário do jornal, o multimilionário e fundador da Amazon, Jeff Bezos.

Outro ex-editor executivo, Marty Baron, também disse estar céptico em relação às explicações da direcção editorial. "Se esta decisão tivesse sido tomada há três anos, há dois anos, talvez até há um ano, teria sido correcta. É certamente uma decisão razoável, mas foi tomada poucas semanas antes da eleição e não houve deliberação séria e substancial com o conselho editorial do jornal. Foi claramente tomada por outros motivos".

Três das dez histórias mais lidas no domingo foram artigos escritos por funcionários do Post indignados com a decisão de Bezos. O artigo com mais visualizações, lido por mais de 174 mil pessoas, é da colunista de humor Alexandra Petri, intitulado "Calhou-me a mim, a colunista de humor, a responsabilidade de endossar Harris para Presidente". Um artigo assinado por outros 16 colunistas do Post rotula a decisão da direcção como um “erro terrível”, que “representa um abandono das convicções editoriais fundamentais do jornal” que amam e para o qual trabalharam “durante 218 anos”.

Bezos quebrou publicamente o seu silêncio na noite desta segunda-feira ao escrever um artigo de opinião — intitulado "Os americanos não confiam nos media" — em que caracteriza a sua decisão de não apoiar nenhum dos candidatos como uma tentativa de evitar uma "percepção de parcialidade" e uma falta de "independência". O fundador da Amazon negou que esteja a tentar "apaziguar Trump" ou a tentar proteger os seus interesses comerciais. "Não há nenhum tipo de troca de favores em jogo", escreveu, acrescentando que não consultou nem informou nenhum candidato da sua decisão.

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