Associações saem de reunião com Governo sem medidas concretas após dias de revolta em Lisboa

Reunião foi convocada pelo executivo de Luís Montenegro, na sequência dos actos de protesto e revolta em vários bairros da Grande Lisboa, em reacção à morte de Odair Moniz por um agente da PSP.

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Alguns dos representantes de associações da Área Metropolitana de Lisboa em reunião com o Governo nesta terça-feira JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA
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As associações convocadas pelo Governo saíram da reunião desta terça-feira, 29 de Outubro, sem medidas concretas que respondam à revolta das comunidades da Área Metropolitana de Lisboa, na sequência da morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP.

"Esperamos que as coisas não se mantenham como estão agora", disse Jakilson Pereira, da associação cultural Moinho da Juventude, em declarações aos jornalistas, no final da reunião que durou três horas, em Lisboa.

Para o representante, "é importante" que o Governo apresente "soluções" para os bairros periféricos e adopte "medidas, para que as pessoas racializadas e, principalmente, a geração [nascida a partir de] 2000 sinta que é parte integrante deste país".

Contudo, referiu, não foi isso o que aconteceu na reunião desta terça-feira, que juntou representantes de 15 associações, convocadas pelo Governo "para dialogar".

"[O Governo] não nos apresentou nenhuma medida em concreto", transmitiu Jakilson Pereira, mantendo, ainda assim, "alguma esperança" no processo de diálogo agora iniciado.

Paula Cardoso, da associação Afrolink, descreveu a reunião como "um plano de intenções", reconhecendo a importância de as associações terem sido chamadas, ainda que no actual "momento de tensão", para dizerem quais devem ser as prioridades e as políticas do Governo no combate ao racismo.

"Esta é uma iniciativa que deve ser continuada", instou, mas com "coragem para implementar aquelas que são as propostas que têm vindo das pessoas que estão nos bairros, [...] que habitam estes contextos segregados e de profunda desumanização em termos de políticas públicas".

Isto porque as condições de vida concretas das comunidades dos bairros periféricos "têm sido desprezadas" e exigem uma abordagem que vá além de "cuidados paliativos", sustentou.

Jakilson Pereira criticou a política de "zonas sensíveis" adoptada na última década, "que atirou rótulos para os bairros e que permitiu, no Estado democrático, criar zonas de excepção".

O representante do Moinho da Juventude considerou que os problemas dos bairros não se resolvem com "força musculada", lembrando que as políticas públicas adoptadas têm gerado "uma bola de neve" de "situações de pobreza", acompanhadas por "desinvestimento" nas escolas públicas daqueles territórios.

Já Mamadou Ba, da associação SOS Racismo, reconheceu ter ficado "desiludido" com a reunião desta terça, pois esperava que o Governo "apresentasse um caderno de encargos no sentido de [...] finalmente ter políticas públicas de combate à discriminação racial, mas não foi o que aconteceu".

"Saímos com a fome com que entrámos", descreveu, saudando a "medida sectorial na área da habitação" apresentada pelo Governo, "importante se for materializada", mas insuficiente. "Uma política ad hoc não vai resolver as questões raciais, era preciso uma política transversal", realçou.

Ainda que esta seja apenas "a terceira vez em 26 anos de militância" em que Mamadou Ba foi convidado para "uma reunião desta natureza", o activista não deixou de declarar "insatisfação" por o ministro da Presidência ter reafirmado "apoiar totalmente" a PSP.

Mamadou Ba voltou a exigir a demissão do director nacional da PSP (presente na reunião, mas que não usou da palavra, segundo relatou), bem como a suspensão imediata do agente que baleou e matou Odair Moniz há uma semana, no bairro da Cova da Moura.

Mamadou Ba lamentou ainda que o Governo continue "a achar que o racismo não é uma questão estrutural", criticando as declarações do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que esta segunda-feira disse não haver "motivo de preocupação" com o racismo em Portugal.

"O Governo disse que nós interpretámos mal, mas eu acho que o senhor primeiro-ministro falou em português e todos nós percebemos português", frisou.

A SOS Racismo propôs ainda alterações ao Código Penal para "tornar o combate ao racismo muito mais eficaz", mas não obteve "uma reacção concreta" dos ministros presentes na reunião (Presidência, Administração Interna e Juventude e Modernização), acrescentou.

A reunião convocada pelo Governo surge na sequência da morte de Odair Moniz, morador no bairro do Zambujal, na Amadora, que há uma semana foi baleado por um agente da PSP. A morte do cidadão cabo-verdiano de 43 anos desencadeou uma vaga de actos de protesto e revolta em várias zonas da Grande Lisboa, em que foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e contentores. Há cerca de duas dezenas de detidos, outros tantos suspeitos identificados, e sete pessoas feridas, uma das quais com gravidade.