Centenas de pessoas no cemitério da Amadora para se despedirem de Odair Moniz

Cortejo fúnebre saiu da igreja da Buraca para o cemitério da Amadora, tendo passado pela esquadra da PSP de Alfragide e pelo bairro do Zambujal onde a vítima residia. PSP não esteve visível.

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Familiares e amigos de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano baleado por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) na madrugada de segunda-feira, prestam a sua última homenagem durante o funeral na Amadora ANTÓNIO PEDRO SANTOS / LUSA
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Centenas de pessoas despediram-se este domingo no cemitério da Amadora de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP na segunda-feira.

As cerimónias fúnebres começaram pelas 14h na igreja da Buraca, com a Celebração da Palavra, tendo no final, a entrada do caixão no carro funerário, sido marcada por gritos de dor, perceptíveis à distância pelos jornalistas, a quem membros da família de Odair Moniz pediram para se manterem afastados.

Foi também pedido aos jornalistas para não se posicionarem em linha recta com a Igreja, presumivelmente para que não fossem captadas imagens directas das pessoas que prestaras as últimas homenagens ao Odair Moniz.

O cortejo fúnebre seguiu depois para o cemitério da Amadora, tendo passado defronte da esquadra da PSP de Alfragide e pelo bairro do Zambujal onde Odair Moniz residia. À chegada ao cemitério, eram dezenas de pessoas que aguardavam à exterior e no interior pela chegada do féretro. Quer na igreja da Buraca quer no cemitério não era visível a presença de agentes da PSP.

No cemitério da Amadora os jornalistas foram mantidos à distância, tendo apenas alguns repórteres fotográficos logrado aproximar-se do portão de entrada, mas impedidos por segurança daquele espaço de entrarem.

O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, marcou presença no funeral para dar as condolências à família de Odair Moniz, que está a passar “um momento muito difícil”. "Estou aqui porque podia ter acontecido também no meu concelho”, lembrou, em declarações aos jornalistas. “As famílias, nestas situações, precisam de uma palavra de conforto, de presença, porque não há nada que apague a dor, sejam quais forem os motivos. É sempre um momento para reflectir porque a nossa sociedade precisa de tranquilidade, de paz e é fundamental que as pessoas se sintam em segurança. Isso depende de todos".

O funeral de Odair Moniz, baleado pela polícia na segunda-feira, na Amadora, realizou-se ao fim de quase uma semana de desacatos na Área Metropolitana de Lisboa e de duas manifestações na capital.

No sábado, realizaram-se duas manifestações em Lisboa, uma convocada pelo movimento Vida Justa para reclamar justiça pela morte de Odair Moniz, outra marcada pelo Chega “em defesa da polícia”, que decorreram de forma “pacífica, em serenidade e com civismo”, segundo a PSP.

Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, foi baleado na madrugada de segunda-feira, no Bairro Cova da Moura, também na Amadora, no distrito de Lisboa.

Segundo um comunicado da PSP, o homem pôs-se “em fuga” de carro depois de ver uma viatura policial e despistou-se na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”. A CNN Portugal noticiou que os próprios polícias, durante o interrogatório, negaram que o cidadão tivesse uma arma. Ao PÚBLICO, pelo menos quatro testemunhas que viram das suas janelas o sucedido, reforçaram o mesmo, dizendo que Odair Moniz não tinha nenhuma arma, nem foi violento em nenhum momento. A PSP mantém a versão inicial e disse na quinta-feira que “reitera o difundido no comunicado de 21 de Outubro”.

Odair Moniz estava na Cova da Moura durante a madrugada com amigos e terá ido ao Bairro do Zambujal buscar uma cachupa. Já no caminho de regresso terá passado uma linha contínua, motivo pelo qual os agentes da PSP o mandaram parar, e terá fugido. Voltou a entrar de carro da Cova da Moura, onde terá acabado por bater noutro carro. Os polícias estacionaram e saíram do carro, contaram testemunhas ao PÚBLICO.

“Quando [Odair Moniz] saiu do carro, queriam pegar nele para o algemar. Disseram para ele se deitar no chão”. O homem terá negado: “não queria que lhe colocassem algemas”, mas “em nenhum momento foi violento com a polícia”, afirmou uma testemunha. “Eles queriam pegar nele para o meter no chão. Quando ele disse para tirarem a mão, para não tocar, à frente do café, deram dois tiros para cima”.

O homem começou então a subir a rua a pé, dizendo aos agentes para não lhe tocarem. Os moradores da rua viram mais um tiro ser disparado para o ar. Quando se aproximaram de um carro vermelho, o agente que vinha atrás passou para a frente e disparou duas vezes em direcção a Odair Moniz, que caiu no chão.

Um vídeo entretanto partilhado mostra o corpo da vítima no chão e ouve-se quem assistiu a fazer vários e comentários: “Veja se está a respirar”, “Veja se foi na perna mesmo”, “Parece que foi na barriga”, “Foi desnecessário”, “Estava muito próximo”. Mas os polícias pouco fazem. O vídeo tem quatro minutos, durante os quais nenhum dos polícias se aproxima do corpo para qualquer manobra de salvamento e só verificam o pulso depois de alguma insistência de um morador de um prédio daquela rua. O INEM terá chegado uma hora depois do sucedido. O INEM garante que a primeira chamada foi feita às 5h35 por um polícia e que às 5h51 uma Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) já estava no local.

A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação “séria e isenta” para apurar responsabilidades, considerando que está em causa “uma cultura de impunidade” nas polícias. A Inspecção-Geral da Administração Interna e a PSP abriram inquéritos e o agente que baleou o homem foi constituído arguido.

Esta semana registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados. Sete pessoas ficaram feridas, uma das quais com gravidade, o motorista de um autocarro.