Cerveja não é só coisa de branco, e isso vai virar filme

A brasileira Karla Danitza publica pesquisa sobre a origem da cerveja na revista online portuguesa Bantumen. Agora, o estudo será levado para um documentário.

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Karla Danitza ajuda a desbancar o mito de que cerveja foi inventada por pessoas brancas Nelson Garrido
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Para a brasileira Karla Danitza, produtora cultural, criadora da Ponte Agência de Cultura e fundadora do Pacto de Promoção da Igualdade Racial, a curiosidade sobre a origem da cerveja começou em 2024. “Vi uma matéria contando que arqueólogos encontraram uma fábrica da bebida de 5 mil anos no Egito. Comecei a pesquisar, e a história se desdobrou”, diz.

Apreciadora de cerveja, até ver a matéria — que se baseou num artigo científico publicado na Harvard Gazette, que conta que a fábrica tinha capacidade de produzir uma quantidade de bebida suficiente para servir 22 mil pessoas —, ela achava que a bebida era uma coisa europeia, como a maior parte das pessoas. Foi então que Karla começou sua pesquisa, que resultou, num primeiro passo, em três artigos publicados na Bantumen, revista online criada como meio de informação para a comunidade jovem negra portuguesa.

Ela não ficou apenas pelos egípcios, que, ressalta, “não eram brancos”. Buscou cervejas de várias regiões da África. Em cada local, a fórmula era diferente. “Usavam insumos de cada região”, observa.

Questionada se cerveja não obrigatoriamente envolvia lúpulo, uma planta comum na Europa, mas que não havia na África, Karla argumenta: “Numa perspectiva histórica, o lúpulo só surge na cerveja a partir do contexto europeu no século XI”. Assim, ela considera cerveja uma bebida fermentada normalmente usada em situações ou rituais de convívio.

Buscando outras bebidas similares africanas, a estudiosa encontrou referências a várias cervejas. Na República Democrática do Congo, há a kasikci, feita à base de banana. Em Ruanda, a microcervejaria Kweza produz a bebida a partir de sorgo e banana, recuperando receitas ancestrais. A etnia xhosa, que vive na África do Sul, costuma chamar a cerveja tradicional de umqombothi, que é feita de milho, sorgo e água e, normalmente, está presente em cerimônias como casamentos, funerais e de iniciações, além de reuniões tradicionais.

No Brasil

A pesquisa de Karla também abrangeu o Brasil. Primeiro, desmentiu a ideia de que as cervejas só começaram a ser produzidas no país em meados do século XIX, na região Sudeste. Até hoje, o que é costume dizer é que a primeira cervejaria do Brasil foi a Bohemia, que começou a funcionar em 1848, no Rio de Janeiro.

Mas a pesquisadora situou a produção da bebida com receita europeia mais de dois séculos antes. “Em 1640, quando Maurício de Nassau estava em Pernambuco, um holandês chamado Dircx Dicx trouxe todo o equipamento necessário a abriu uma cervejaria onde é hoje o Bairro das Graças, no Recife”, conta.

Mas, para Karla, a cerveja no Brasil já era feita antes da descoberta. Ela conta que, quando os portugueses chegaram no país, encontraram uma bebida que os grupos tupi-guarani costumavam chamar de cauim, fermentada, feita de mandioca, doce ou amarga, ou de milho. Os indígenas acrescentavam na preparação mel e frutos para aumentar a quantidade de açúcares na mistura, o que ampliava o teor alcoólico. O primeiro nome que os portugueses deram à bebida foi cerveja da terra.

A pesquisa inclui, ainda, as produções de cerveja feitas por negros no Brasil de hoje. Normalmente, são produções artesanais, em pequenas quantidades. Algumas das empresas já começam a ganhar dimensão, como é o caso da Cervejaria Implicantes, do Rio Grande do Sul. Seus produtos — cervejas escuras — são apresentados como antirracistas, em que as latas são decoradas com imagens de figuras negras com importância na história do Brasil. A cervejaria já foi alvo de mensagens racistas em redes sociais.

Karla também buscou fazer um levantamento envolvendo a produção de cervejas e das microcervejarias cuja propriedade pertence a negros. “Muitas vezes, são coletivos de mulheres negras que produzem a bebida”, afirma.

O próximo passo da estudiosa é fazer um documentário a respeito de sua pesquisa sobre a bebida. “Pretendo ir para a África, filmar a produção das cervejas africanas e contar também a história da bebida no Brasil”, diz.

Para a produção, ela avalia que será necessário captar 1,5 milhão de reais (250 mil euros). Esta semana, ela teve uma boa notícia. Depois de ter entrado há meses numa chamada de projetos para obter apoio por parte da Ambev — a maior cervejaria do mundo —, seu projeto foi aprovado.

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