“Sem justiça não há paz”: milhares saíram à rua por Odair Moniz

Duas manifestações decorreram em simultâneo, este sábado, em Lisboa, com motivações opostas: uma para reclamar justiça pela morte de Odair Moniz, outra em “defesa da polícia”.

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Vida Justa Nuno Ferreira Santos
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Tarjas com a inscrição “Sem justiça não há paz” e a fotografia de Odair Moniz, o homem que morreu na segunda-feira após ter sido atingido a tiro por um agente da PSP na Cova da Moura, flores e mensagens de "Abaixo a repressão policial" puderam ver-se, este sábado, na manifestação promovida pelo movimento Vida Justa, no centro de Lisboa.

Os pingos da chuva deram tréguas e muitos participantes aguardavam, já depois das 15h, hora marcada para o início, para seguir a “marcha pacífica”, como se ouvia no megafone. E a descer a Avenida da Liberdade, entre o Marquês de Pombal e a Praça dos Restauradores, muitas vezes se ouviu "Odair presente, hoje e sempre".

Esta foi uma marcha convocada após a morte do homem de 43 anos, pai de três filhos, e para contestar a forma como morreu. Em torno desse luto, também se gritou "somos união, contra a opressão" ou "os bairros unidos jamais serão vencidos". Mas era quando se ouvia "Odair sempre" que ressoava fortemente um aplauso prolongado conjunto.

Entre as personalidades presentes nesta marcha de homenagem a Odair Moniz e contra a violência policial estiveram as antigas deputadas Ana Gomes e Helena Roseta, o comentador político Daniel Oliveira e o cantor Dino d'Santiago. Também eles foram descendo a avenida, ao ritmo das palavras de ordem amplificadas por vários megafones: “Governo, escuta, queremos vida justa!”

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Manifestação em defesa da polícia Joana Mesquita

No início do desfile, ainda todos aguardavam no cimo da avenida, o líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, denunciou o que disse serem as "mentiras graves" contidas no primeiro comunicado da PSP. O deputado entende que, se se vier a provar que a direcção nacional da PSP mentiu, ter-se-á "de avaliar a sua continuidade" à frente da instituição. "Quando a direcção nacional da PSP mente, mancha a imagem da PSP. E eu quero uma polícia credível", disse Fabian Figueiredo. O deputado referia-se à dúvida sobre se a vítima tinha uma arma branca, quando os dois agentes o interpelaram.

Também João Ferreira, dirigente do PCP que participou na manifestação, disse que a PSP terá de dar explicações se se provar que a primeira versão não foi verdadeira. "É fundamental que o mais rapidamente possível, urgentemente, se apure exactamente o que aconteceu e se atribuam responsabilidades. Quanto mais depressa isso acontecer, mais estamos a contribuir para o pronto desanuviar de tensões que existem há muito tempo, mas que se têm manifestado de um modo particular na última semana", disse, garantindo que, este sábado, na rua esteve "a voz da ampla maioria social que quer justiça e quer a paz e que sabe que nenhuma delas existe sem a outra".

A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, defendeu que o "racismo estrutural" no país tem de ser resolvido através de políticas públicas como o "policiamento de proximidade", que o partido já levou a discussão na Assembleia da República. "É preciso recrutar pessoas que vêm de comunidades específicas, nomeadamente dos próprios bairros. Temos de ter uma polícia em quem todos possamos confiar", afirmou Isabel Mendes Lopes na manifestação organizada pelo movimento Vida Justa.

Recados ao Governo: "Queremos vida justa"​

Quem integra o Vida Justa é Beatriz Lopes, de 24 anos, que estuda e lecciona Geografia no ensino básico. “As pessoas mobilizarem-se mostra-nos que não estamos sozinhos", diz a propósito da forte participação que aparentava ter a marcha logo nos primeiros momentos. “O caso do Odair é um culminar de problemas estruturais, veio expor as fragilidades do sistema”, disse ao PÚBLICO, reclamando que este movimento quis também alertar para "a forma como as instituições agem sobre os bairros, como o Estado age sobre os bairros”.

Essa ideia esteve presente nos discursos do final, quando a frente da marcha chegou à Praça dos Restauradores, já perto das 18h. Em cima de um pequeno palco montado na hora, lançaram-se apelos à união das comunidades dos bairros e à solidariedade dos “brancos pobres que vivem nos bairros”. Porque em causa está o racismo, disseram os oradores, entre os quais Cláudia Simões, que se queixou de ter sido vítima de racismo e violência policial, que acabou por ser apenas parcialmente dado como provado pelo tribunal.

“Eu não perdi a vida”, disse Cláudia Simões, aludindo a Odair Moniz e outros cidadãos negros em Portugal baleados pela polícia. “Mas fui tratada como lixo.”

Houve um minuto de silêncio por Odair Moniz seguido de um emocionado aplauso conjunto dos milhares que rodeavam o monumento da praça e se espraiavam avenida acima, ainda com bandeiras do Vida Justa a acenar.

Chega fez percurso em menos de uma hora

A manifestação do movimento Via Justa contra a violência policial começou por estar prevista para terminar na Assembleia da República, mas o movimento decidiu esta sexta-feira alterar o percurso para evitar cruzar-se com a contramanifestação do Chega, insistindo em ter uma manifestação "pacífica e responsável".

Ainda antes da hora marcada para ter início a manifestação em "defesa da polícia", do partido de André Ventura, juntaram-se manifestantes na Praça do Município, em Lisboa.

No início, eram cerca de uma centena de manifestantes e exibiam bandeiras do Chega e de Portugal, e muitos vestiam coletes do partido. A ideia era ter uma manifestação de apoio aos polícias, depois de esta semana André Ventura, o líder parlamentar do Chega e um outro dirigente terem louvado o agente que disparou contra Odair, causando a sua morte, o que motivou a abertura de um inquérito por parte do Ministério Público.

A propósito dessas declarações será apresentada uma queixa-crime por um grupo de cidadãos, que pôs a circular uma petição pública que pode ser subscrita online e que, pelas 14h desde sábado, já tinha mais de 80 mil assinaturas.

Liderada por André Ventura, presidente do Chega, que foi sempre protegido por um cordão de segurança, a manifestação de apoio às forças de segurança prosseguiu o seu caminho em passo acelerado. Os manifestantes pediram “respeito” pela polícia, “lei e ordem”.

Quem os ouvia passar, espreitava pelas janelas para ver de onde vinha o barulho e alguns aplaudiam o protesto. Os restantes não se pareciam entusiasmar com o que ouviam. Pelas ruas do centro de Lisboa, a maioria eram turistas, alheados do que ali se passava ou dizia.

Um dos momentos de maior entusiasmo foi quando os manifestantes cantaram a plenos pulmões o hino português. “Portugal quer mudar, quer o Chega a governar!”, gritou-se.

“Bandido, ladrão, o teu lugar é na prisão!” e “está na hora, está na hora dos bandidos irem embora!” foram outras palavras de ordem frequentemente entoadas.

Pelas 16h10, menos de uma hora depois do início da marcha (Ventura só chegou pelas 15h20), estes manifestantes tinham chegado ao seu local de destino, a Assembleia da República.

Ventura e o "nós" e "eles"

Em frente ao Parlamento, André Ventura discursou para dizer que o seu partido e os seus militantes são a “Primavera” e a “revolução” do país.

No palco montado pelo Chega, Ventura vangloriou-se de o partido ter “a história” do seu lado. Mantendo sempre uma lógica do “nós” e do “eles", Ventura afirmou: “Eles têm 50 anos do lado deles, nós temos a revolução do nosso lado; nós somos a novidade, a transformação.”

Eles são os “do outro lado”, na manifestação que terminaria nos Restauradores, e que Ventura alegou ser “contra a polícia". Argumentando que quem vence não é o “statu quo”, André apelou aos militantes para não se deixarem “adormecer. “Vamos lutar até vencer em Portugal”, aformou, motivando fortes aplausos.

“Apesar de um sistema de 50 anos de atrofia”, “nós não temos medo”, vincou, voltando a deixar no ar que há quem o queira "prender", depois das declarações que fez sobre a polícia atirar a matar. “Não há prisão que para essa revolução”, essa “ideia” e esse “espírito”, disse, defendendo que essa “ideia” não é exclusivamente sua, do líder parlamentar do chega, Pedro Pinto, ou do assessor do partido, fazendo questão de referir precisamente os outros dois alvos da queixa-crime aberta pelo Ministério Público na sexta-feira.

“Teriam que nos pôr a todos na cadeia” para travar essa revolução, disse Ventura. “Nunca vamos deixar de ser quem somos”, frisou, “sem medo que nos matem” e “sem medo que nos prendam”. “Pedir desculpa à bandidagem?”, questionou. “Nunca!”, afirmou.

No final, voltou a cantar-se o hino nacional e a canção Conquistador, da banda Da Vinci, de bandeira ao alto. Pelas 17h, a manifestação já tinha começado a dispersar e o palco foi arrumado.

Manifestações sem ocorrências registadas

Concluídos ambos os protestos, cerca das 19h, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP garantia ao PÚBLICO que não tinha sido registada qualquer ocorrência durante ou à margem das duas manifestações. Durante a manhã, em Lisboa, a PSP tinha assegurado, em conferências de imprensa, que iria acompanhar ambas as manifestações e garantir a sua segurança, fazendo um apelo à tranquilidade de todos os cidadãos.

"Fazemos também um apelo aos promotores de ambas as manifestações para que colaborem com a Polícia na perspectiva de nos ajudar a identificar eventualmente grupos que se infiltrem na sessão das manifestações para provocar violência", disse o superintendente Luís Elias, comandante Metropolitano da PSP. com Marta Sofia Ribeiro

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