Louçã pede esquerda unida em Lisboa, Bloco nega crise de identidade

“Para vencer é preciso unidade, protagonismo forte e um programa ainda mais forte”, afirmou Louçã, pedindo união à esquerda contra Moedas. Críticos lamentam que BE “se confunda com Livre e PS”.

Foto
O ex-coordenador do BE falava na 5.ª Conferência Nacional, que decorre até domingo, no Porto Daniel Rocha
Ouça este artigo
00:00
05:12

O antigo coordenador do BE Francisco Louçã utilizou este sábado a candidatura do socialista Jorge Sampaio à Câmara de Lisboa em 1989 para pedir união à esquerda contra Carlos Moedas (PSD) nas próximas autárquicas, pressionando o PS.

"Vencer [Carlos] Moedas é uma obrigação se a esquerda quer dar a cidade de volta aos cidadãos. E lembro, por isso, Jorge Sampaio. Quando quis derrotar a direita, Sampaio fez três coisas: candidatou-se (e era o secretário-geral do PS), juntou toda a esquerda da cidade e apresentou um programa de 50 medidas por um ano, a começar por domesticar o imobiliário", lembrou Francisco Louçã.

O ex-coordenador do BE falava na 5.ª Conferência Nacional, que decorre até domingo, no Porto, com o objectivo de debater o rumo estratégico do partido e as eleições autárquicas, marcadas para 2025.

E "se o PS continua a mostrar que não quer disputar a cidade", Francisco Louçã pede ao Bloco que "insista como Sampaio", avisando que "para vencer é preciso unidade, protagonismo forte e um programa ainda mais forte".

No documento apresentado à conferência, a comissão política do BE defende, sempre que possível, alianças alternativas a governações autárquicas de PS e PSD, mantendo, contudo, a abertura para uma aliança à esquerda que desafie Carlos Moedas em Lisboa da qual o PCP já se distanciou, tendo apresentado o nome de João Ferreira.

Em Dezembro de 1989, Jorge Sampaio conquistou a autarquia da capital, em resultado de um acordo do PS com o PCP, que contava também com a adesão do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), do MDP/CDE, da UDP e do PSR. Foi este o exemplo que Francisco Louçã lembrou hoje para pressionar os socialistas, afirmando que, "se mais ninguém quiser", o BE "escolhe ser a força que luta contra o capital imobiliário" na capital.

Num futuro programa autárquico para Lisboa, os bloquistas priorizam a redução do alojamento local, a suspensão de construção de hotéis ou "terrenos públicos disponíveis, geridos pela câmara, com cooperativas de habitação e grandes zonas de mobilidade verde".

"É possível. Talvez seja mais difícil acordar um programa confiável e forte do que passar por um buraco da agulha. Mas nós não somos de desistir", garantiu.

Louçã deixou ainda duras críticas a Carlos Moedas, que acusou de estar a expulsar os lisboetas da capital, lamentando que o imobiliário seja "o dono da cidade".

"Carlos Moedas, que modestamente diz de si próprio ser o melhor autarca de todos os dias, é o chefe desse bando. Na baixa, há 71% de alojamento local. Há novos hotéis todos os meses. Com Moedas, o melhor que podemos esperar é que os lisboetas, alguns, sejam preservados num bairro zoológico em que cantem canções folclóricas e joguem ao "pim-pam-pum" para entreter o turista", ironizou.

Críticos lamentam que BE "se confunda com Livre e PS"

Antes, a direcção do BE tinha defendido um partido “enraizado na luta popular” e propôs-se a corrigir erros, mas negou qualquer “crise identitária” perante alguns críticos que lamentaram que o partido por vezes “se confunda com Livre e PS”.

A deputada e dirigente do secretariado do BE, Joana Mortágua, começou por reconhecer que o partido cometeu erros que quer corrigir.

Defendendo um "partido enraizado na luta popular, aberto e democrático", assegurou que a direcção pretende "jogar mão a todos os instrumentos de actualização programática, de formação política da militância e de comunicação interna".

Em resposta a algumas críticas internas, Joana Mortágua advogou que causas sociais como o feminismo ou o anti-racismo ajudaram a derrotas eleitorais como as de Jair Bolsonaro ou Donald Trump, deixando uma questão no ar.

“Nessas vitórias democráticas, pergunto-vos, camaradas, a classe trabalhadora ganhou ou perdeu espaço na luta pelo socialismo? Sim, nós temos de saber fazer alianças. Precisamos de alianças, não para conciliar, mas para polarizar. Afirmar isto não é uma expressão de qualquer crise identitária, é a prova de que não andamos perdidos, de que sabemos exactamente onde estamos”, garantiu.

Joana Mortágua deu como exemplo os acontecimentos desta semana na Grande Lisboa, após a morte de Odair Moniz, baleado pela polícia na Amadora, afirmando que o Bloco ficou “sozinho na posição mais difícil”, mas não “arredou pé da aliança com o movimento anti-racista”.

À conferência nacional foi também apresentado um documento global alternativo, subscrito por vários elementos que integravam a lista de Mariana Mortágua à mesa nacional do partido na última convenção nacional.

Na primeira defesa pública do texto – uma vez que os subscritores não quiseram prestar declarações à comunicação social antes da conferência –, o dirigente Adelino Fortunato pediu “debate que vá além da gestão diária”, apesar de lamentar que o partido esteja “totalmente controlado pelo seu aparelho e praticamente sem margem para ser influenciado”.

Apesar de considerar que é necessário intervir em “todos os movimentos sociais”, sejam anti-racistas, ecologistas, feministas, LGBTQIA+ ou outros, o bloquista frisou que “só o derrube do capitalismo e a tomada de poder pelo proletariado poderá criar as condições para que estas causas tenham inteiro sucesso”.

Lamentando que o BE se tenha transformado numa “câmara de eco dos novos movimentos sociais”, Adelino Fortunato argumentou que “a conversão do Bloco numa espécie de movimento dos movimentos, sem que o movimento dos trabalhadores tenha um papel de liderança, teve consequências negativas de vários pontos de vista”.