O fim teve pressa de chegar

Quando Miguel se apaixonou, Maria assustou-se. As suas respostas foram ficando cada vez mais frias e telegráficas, os silêncios mais prolongados, os encontros mais escassos.

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"Procurava refúgio noutras mulheres, mas acabava sempre por cair nela" Kaboompics.com/pexels
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Quando duas pessoas se estão a conhecer e uma delas percebe que perdeu o interesse, há três formas de passar essa mensagem. A primeira é a mais madura e também a mais rara nos dias de hoje: explicar à outra pessoa que as suas expectativas não estão alinhadas. A segunda, mais cobarde e cada vez mais comum, é o ghosting: sem pré-aviso, uma das partes corta simplesmente o contacto com a outra, até se tornar num fantasma, como se nunca se tivessem conhecido. A terceira via é uma espécie de quiet quitting: vai-se desistindo silenciosamente, investindo cada vez menos, para evitar uma conversa que se sabe que pode ser difícil. Foi desta forma, mais cínica, que Maria decidiu afastar Miguel da sua vida.

Talvez tenha resistido a colocar um ponto final naquela história porque a companhia dele lhe era conveniente. Estava cansada de ser espectadora da sua própria vida e ele oferecia-lhe um parêntese no caos que a rodeava, fazendo-a sentir-se viva e desejada. Nele encontrara um penso rápido para o seu ego ferido, uma distração temporária para a sua dor. Miguel sabia que tinha os dias contados. Quando ela lhe sugeriu que continuassem apenas a fluir, sem qualquer compromisso, agarrou-se a isso como uma tábua de salvação. Estava disposto a aceitar as migalhas que ela lhe oferecia por medo de a perder. Tentou ligar o descomplicador, aproveitar o momento presente sem fantasiar com um futuro improvável, mas já era tarde demais. Estava metido naquele buraco até ao pescoço.

Quando Miguel se apaixonou, Maria assustou-se. Afastou-se. As suas respostas foram ficando cada vez mais frias e telegráficas, os silêncios mais prolongados, os encontros mais escassos. As coisas tinham deixado de fluir. Sentindo-a cada vez mais distante, Miguel sufocava na sua ausência. Procurava refúgio noutras mulheres, mas acabava sempre por cair nela. Já não se reconhecia. Tinha procurado tanto cuidar dela, elevar-lhe o espírito, curar-lhe as feridas, que se foi esquecendo dele próprio. Como se, para tentar salvá-la, ele deixasse de existir. Sentia-se um bem em segunda mão. Sem valor.

Rogou-lhe um encontro para conversarem. Queria convencê-la de que não estava apaixonado, que podia continuar a ser leve, levezinho, como ela precisava. Ao invés, recebeu uma mensagem no WhatsApp, como um punhal direto ao coração, sem misericórdia:

“Miguel, desculpa-me, mas não consigo continuar a fazer isto. Sei que te tenho passado sinais contraditórios, porque a tua companhia me faz muito bem, mas tenho de ser honesta contigo e comigo. Entraste na minha vida numa altura em que estou feita num caco e não consigo mesmo estar com ninguém nesta altura. Sinto que estou a cometer o mesmo erro de sempre, a substituir uma pessoa por outra, e isso nunca deu bom resultado. Parece que por onde passo só deixo escombros. Estou a destruir imensas vidas à minha volta. Nas últimas semanas, acabei com um casamento, com uma relação de 12 anos, com uma amizade… Não mereces isto, mas tenho de me resolver sozinha e perceber o que quero. Estou completamente à deriva.

Sei que agora não vais conseguir perceber isto, porque estás magoado, mas quanto mais tarde tomasse esta decisão, mais difícil seria, para mim e para ti. Um dia vais dar-me razão. Ainda havemos de nos rir disto.”

Foi a última vez que se falaram.

O fim teve pressa de chegar.

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