Câmara de Lisboa aprova Carta Municipal de Habitação e fala em investimento de 900ME

Documento, que ainda terá de ser votado pela assembleia municipal, acolhe alterações de PS, BE, Livre e Cidadãos Por Lisboa. Socialistas, que se abstiveram, consideram que carta é um “flop”.

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Carta define política de habitação da capital para a próxima década Rui Gaudêncio
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A Câmara de Lisboa aprovou hoje a Carta Municipal de Habitação, proposta pela liderança PSD/CDS-PP e que acolheu alterações de PS, BE, Livre e Cidadãos Por Lisboa, prevendo um investimento de 900 milhões de euros nos próximos dez anos.

Em reunião privada do executivo municipal, a primeira Carta Municipal de Habitação de Lisboa (CMHL) foi viabilizada apenas com os votos a favor da coligação Novos Tempos (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), que governa sem maioria absoluta, e a abstenção de PS e PCP.

Apesar de o documento final incorporar parte das propostas da oposição, após votação por pontos, os vereadores de BE, Livre e Cidadãos Por Lisboa (eleitos pela coligação PS/Livre) votaram contra.

Esta proposta da CMHL, que terá agora de ser submetida à Assembleia Municipal de Lisboa, resulta da inclusão de alterações resultantes do processo de consulta pública, pretendendo garantir uma política de habitação para a próxima década.

"Alcançou-se um compromisso político histórico para investir mais de 900 milhões de euros em habitação", afirmou o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), citado em comunicado, no âmbito da aprovação da proposta, que estava prevista acontecer há duas semanas, mas que foi adiada por falta de consenso com os partidos da oposição.

Apesar de viabilizar a proposta ao abster-se, a vereação do PS considerou que a CMHL é "um "flop"", registando "sérias divergências" com o documento, por existirem "falhas e omissões que não foram corrigidas", inclusive a revisão do Plano Director Municipal (PDM), a identificação da "verdadeira carência habitacional da cidade" e a apresentação de números "pouco rigorosos e fiáveis".

De acordo com a liderança PSD/CDS-PP, a CMHL estabelece "um ambicioso compromisso político para aumentar a oferta de habitação na cidade", com investimento para a próxima década, permitindo, por exemplo, "construir 3.000 novas casas públicas até 2028, urbanizar terrenos públicos parados, como o Casal do Pinto e o Vale de Santo António, e destinar terrenos com capacidade para 500 casas em cooperativa".

Carlos Moedas destacou o compromisso de "aumentar e melhorar a oferta de habitação pública, reduzir as assimetrias no acesso à habitação e regenerar a cidade esquecida".

A vereadora da Habitação, Filipa Roseta (PSD), disse que a CMHL prevê a concretização de 35 medidas para "uma política de habitação audaciosa para os próximos dez anos", que inclui a reabilitação de habitações vazias e a renovação dos bairros municipais, assim como "um sistema assente nos pilares privados e em parceria para a oferta de habitação acessível".

"Mapeámos um potencial de construção de 7.400 casas, das quais 3.000 com investimento totalmente público. Iremos disponibilizar as restantes 4.000 potenciais a parceiros de construção", indicou Filipa Roseta, lembrando que, neste âmbito, está já em curso o programa Cooperativas 1.ª Habitação Lisboa, com um concurso aberto para a construção de habitação em cooperativa na freguesia do Lumiar.

Segundo a vereação do PS, a liderança de Carlos Moedas "ignorou as participações públicas" e "só à última hora aceitou incorporar propostas da oposição", sendo esta a principal razão para "Lisboa ter uma Carta de Habitação frágil e limitada, em vez do documento estratégico e orientador de que a cidade tanto precisa".

Justificando o voto de abstenção com o acolhimento de parte das suas propostas, os socialistas realçaram a integração na CMHL de "mais regulação para o alojamento local, repondo o tecto máximo de 5% na cidade"; uma quota de até 25% do total de fogos destinada a renda acessível; a antecipação para 2024/2025 de projectos para renda acessível deixados prontos pelo anterior mandato no Restelo, Benfica, Ajuda e Parque das Nações, e que tinham sido adiados para 2033; e "a eliminação e correcção de gráficos e dados que distorciam os números de construção da CML, ignorando mais de 5.600 fogos de propriedade municipal".

"Apesar do nome, o documento não configura uma verdadeira Carta da Habitação, uma vez que olha apenas para a habitação municipal e ignora o potencial de construção quer em terrenos do Estado, quer por privados, não o tentando sequer mobilizar através de incentivos e benefícios fiscais", apontou o PS, referindo que a CMHL também "não identifica a verdadeira carência habitacional da cidade, considerando que cerca de 10 mil casas (o número de candidatos a programas municipais de habitação) resolvem a carência de habitação em Lisboa".

A vereação do PS referiu ainda que, apesar de "uma gritante e imediata necessidade de construção", há investimento a ser "empurrado para 2033, o que levanta sérias dúvidas quanto à capacidade de Carlos Moedas para executar o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]".

O PCP, também em comunicado, considera que a carta “regista na construção e recuperação de casas um programa de acção que, embora insuficiente, supera significativamente o histórico recente de actuação municipal, ainda que muito sustentado pelo financiamento PRR”. Apesar disso, os comunistas dizem que o seu programa de acção no campo da produção de habitação fica aquém do nível de carências que a cidade manifesta” e no campo da mobilização do solo com potencial habitacional deixa em branco o que fazer com o património público do Estado”.

Em todo o caso, notam que, com o documento agora aprovado, ficou definido um calendário de acção, vinculativo de toda a actuação da Câmara Municipal no domínio da habitação, “comprometendo o Executivo no seu pleno cumprimento nas diferentes linhas de intervenção ali estabelecidas”. E acrescentam que a Carta Municipal de Habitação “não encerra o debate sobre política de habitação na cidade de Lisboa”, mantendo “aberto o campo para a definição e implementação, em concreto e na especialidade, das opções ali estabelecidas”.

Já o Bloco de Esquerda justificou o seu voto contra o documento com o facto de PSD/CDS e PS chumbarem a proposta do Bloco de fim do pilar Parceria Público-Privada (PPP) do Programa de Renda Acessível para o pilar público. “Recordamos que, em nove anos, ainda não há uma única casa do pilar PPP e que todas as casas de renda acessível que Moedas entregou, vêm do pilar 100% Público que o Bloco impôs ao PS no mandato anterior”, dizem os bloquistas em comunicado, referindo que, com a aprovação da carta, Moedas “deixa de ter desculpas para poder começar a produzir habitação pública para a cidade”.

O Bloco de Esquerda refere, no mesmo comunicado, que conseguiu aprovar um máximo de 5% de alojamento local (AL) na cidade e a recuperação de casas de AL para habitação, bem como ficar inscrito na carta que não deve haver mais hotéis enquanto não existir um estudo de carga turística e ainda a garantia de casas para o Programa de Renda Acessível 100% Público com o uso do zonamento inclusivo. “O Bloco votou contra a proposta de alteração do PS, que fazia depender o zonamento inclusivo dos créditos de construção de Manuel Salgado”, explicam os bloquistas.

Os Cidadãos Por Lisboa, por seu turno, lamentam que as suas propostas – “apontar caminhos para promover a habitação, evitar o crescimento descontrolado de hotéis e AL e usar mecanismos no PDM para evitar o desvio de casas para usos turísticos” – não tenham sido tomadas em conta na versão final da CHM. “Moedas prefere outro rumo. Não luta contra os efeitos do turismo, não promove a função habitacional diante do desvio contínuo de casas para outros efeitos. Não identifica terrenos disponíveis, para lá dos municipais, nem aponta soluções para os devolutos. E fecha a cidade, ignorando os milhares que têm de sair para a área metropolitana e querem voltar”, criticam.

Já no que toca ao voto do Livre contra a Carta Municipal de Habitação proposta pelos Novos Tempos, ele surge em linha com anteriores votações do mesmo documento, uma vez que, segundo o partido, prevalecem as principais razões que o justificam: “a carta não responde à crise da habitação, não foi elaborada de forma verdadeiramente colaborativa, integrando, por exemplo, as sugestões do Conselho Municipal de Habitação, ou do colégio inteiro de vereadores (incluindo os que não têm pelouro) e as medidas apresentadas não incidem sobre os territórios da cidade que o diagnóstico da própria carta identifica como sendo aqueles em que a crise da habitação se acentua, devido a pressões”.

Nota: texto actualizado às 11h10 de 28 de Outubro, com a posição do partido Livre.