Abstenção no Orçamento “dará argumento fácil aos nossos adversários políticos”, admite Brilhante Dias

Deputado e ex-líder parlamentar do PS classifica o Orçamento como de “fim de ciclo e fim de festa” e ainda não sabe que propostas de alteração os socialistas vão apresentar.

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Eurico Brilhante Dias admite que se inclinava para o voto contra o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), que há recuos "absolutamente insuficientes" do Governo, e antevê que a abstenção seja usada contra o PS. E afirma que há uma "enorme falta de sentido de Estado" entre alguns actuais ministros.

No final da Comissão Política, o presidente Carlos César disse que a abstenção do PS no OE2025 é uma decisão que custa ao partido, mas que não era possível deixar a administração pública paralisada à espera de novas eleições. Não teria sido benéfico para o PS decidir mais cedo?
Não sei se seria benéfico para o PS, tenho as maiores dúvidas. O PS tinha a obrigação de chegar junto do Governo e dizer que tinha propostas para negociar. A solução do cheque em branco, viabilizando sem mais, era pouco razoável. Carlos César fez uma boa síntese das intervenções e do sentimento do partido.

E é uma decisão que custa.
Custa porque a avaliação que fazemos do Orçamento e do desempenho do Governo levaria naturalmente a que votássemos contra. Percebo que a maioria dos socialistas se sentisse mais confortável com o voto contra. Contudo, tem implicações institucionais graves e teria custos difíceis de perceber por parte dos portugueses.

Terá dito que estes ganhos de causa foram pífios. Quer explicar isso?
Primeiro, é muito desagradável discutir entre camaradas e acabar por perceber que fragmentos da intervenção acabam nos jornais. Segundo, é evidente que o Governo entregou na Assembleia da República uma proposta de Orçamento deliberadamente sem o acordo do PS. Os recuos ou cedências do Governo são absolutamente insuficientes quer no IRS Jovem, quer no IRC.

Era favorável à abstenção?
Eu votei favoravelmente a proposta de abstenção. Isso tem duas faces da mesma moeda: sinto que essa abstenção é necessária, mas faço a mesma avaliação de que é um Orçamento mau e que o que melhor formava a nossa opinião sobre o Governo e o OE2025 era votar contra.

Pedro Nuno Santos recusou a modelação do IRC, mas depois aceitou a redução de um ponto no IRC...​
Uma descida transversal do IRC é uma má opção de política pública em função dos recursos que nós temos.

Por isso o PS vai votar contra a medida?
Não sei. Eu não consigo dar essa resposta. O partido tem sido contra a descida transversal e tem fundamentos. O Governo consumiu uma parte substantiva da margem orçamental que tinha, e Portugal precisa, nos próximos anos, de continuar a consolidar orçamentalmente. Este OE2025 vai pelo caminho errado: parece de fim de ciclo, mais de fim de festa do que propriamente de quem está a começar alguma coisa de novo.

Se é de fim de festa, é exequível manter a margem orçamental em 700 milhões de euros? E o PS também é responsável por isso?
O secretário-geral foi muito claro: o PS passará o processo de especialidade garantindo que essa margem orçamental do Governo é preservada lato sensu. Se a execução orçamental vai permitir garantir superavit, tenho mais dúvidas. Há aumento de despesa e redução de receita de forma cumulativa, numa lógica de ciclo eleitoral.

Quando se diz que o PS parte para a especialidade "com toda a liberdade", vai propor o aumento extraordinário de pensões?
Não sei. Toda a liberdade... com os pressupostos de não desvirtuar o saldo final apresentado pelo Governo.

Que consequências pode ter, no futuro, para o PS, a abstenção?
Eu também subscrevo a ideia de que esta abstenção pode ser usada na dialéctica parlamentar contra o PS pelas outras forças que vão votar contra: o Chega, a Iniciativa Liberal (ao que tudo indica), os partidos à esquerda do PS... até o PAN.

O PS será o saco de pancada?
A decisão que tomámos dará aos nossos adversários políticos argumento fácil, dizendo ‘os senhores abstiveram-se e, portanto, os senhores são parceiros’. Não: o PS fez uma avaliação do que era o interesse nacional. E, nesse sentido, abstém-se. Eu não gostaria de ter estado nas botas do secretário-geral, no sentido que ele teve uma decisão muito, muito difícil para tomar. E todos os socialistas compreendem a dificuldade do processo.

Há semanas, Pedro Nuno Santos dizia que os calculismos sobre eleições não decidiam o voto do PS. Mas, afinal, foi mesmo decisivo o factor eleições...
Primeiro, não tem a ver com as eleições; tem a ver com o que elas significam neste contexto – seriam as terceiras em três anos. Segundo: o PS teria que decidir se queria que a AD falasse apenas com a extrema-direita parlamentar para passar o Orçamento. Eu considero que o Chega não é útil para nada, é um partido que vive dos problemas e não de encontrar soluções.

Há um ano antecipava que o PSD ia fazer acordo com o Chega e que o PS nunca iria viabilizar um Orçamento de Montenegro. Afinal, aconteceram ambas, o que se passou para estar errado?
O PSD não fez acordo formal com o Chega, mas governa porque o Chega tem 50 deputados. Terei sido excessivamente optimista. Sempre tive a percepção que as condições que criámos para as eleições levariam ao aumento do Chega, mas 50 deputados é absolutamente surpreendente.

Significa que PSD e CDS não conseguiram capitalizar uma parte substantiva do descontentamento face à governação do PS. Segundo, eu tinha as evidências a meu favor: quer nos Açores ou na Madeira, sempre que foi mesmo necessário o Chega estava lá para fazer acordo com o PSD. Agora, há uma coisa: Luís Montenegro e a AD vivem preocupados com o Chega todos os dias.

E o PS não?
Nós vivemos sempre, só que eles vivem particularmente preocupados quando começam a adoptar a sua linguagem. Eu não faço confusões: o PSD não é o Chega, nem o CDS é o Chega. Mas quando vemos que depois de ter um Orçamento viabilizado pelo PS, a prioridade é dizer que tem problemas numa disciplina de Cidadania, quando o problema na educação é a falta de professores; adopta uma linguagem securitária e usa expressões como 'portas escancaradas'... é evidente que há uma preocupação em entrar pelas ideias e pelo eleitorado do Chega.

O ‘não é não’ é apenas...
É agarrar o PS. Era uma tentativa de vincular o PS. E o PS fez bem ao não dizer simplesmente ‘Se querem Orçamento entendam-se com a extrema-direita’.

As críticas do secretário-geral a comentadores do PS eram desnecessárias?
Pedir aos socialistas em geral para ficarem calados, eu lamento dizer, mas é no mínimo ineficaz. Nós não temos essa cultura. Somos um partido aberto, com muitas opiniões diferentes, como foi patente neste processo, e pluralidade é a nossa marca. Penso que o secretário-geral quis sinalizar que ter muitas vozes a dizer coisas contraditórias não seria muito fácil para ele no processo negocial.

Há distúrbios em Lisboa após a morte de um cidadão no bairro do Zambujal. Este era um barril de pólvora que já existia?
Não sou perito na área da segurança, mas como político não posso deixar de dizer que há um descontentamento que deve ser escutado, que tem uma fonte nas condições de vida de muita gente. A ministra da Administração Interna fez o que se impunha: abrir o inquérito à morte desse cidadão. Não quero fazer uma condenação expressa da operação policial ou do cidadão, mas estas manifestações que acabam com incêndio de autocarros, pneus queimados, não resolvem problema algum; são uma desordem pública que merece ser controlada.

Foi secretário de Estado para a Internacionalização, pasta incluída no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). Como vê esta crise entre o ministro Paulo Rangel e os militares das Forças Armadas?
O ministro não desmentiu, mas não esclareceu. Nas áreas de soberania temos tido momentos menos felizes: um ministro da Defesa que à beira de uma cimeira luso-espanhola fala de Olivença sem articular com o MNE e, pelos vistos, nem sequer com o primeiro-ministro. A serem verdade as notícias que vêm saindo, há uma coisa que é impossível contornar: a enorme falta de sentido de Estado.

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