Com a apresentação do Orçamento de Estado para 2025, vieram as habituais manchetes sobre as suas principais medidas — ainda que menos discutidas do que as bandeiras do IRS Jovem e do IRC. Um dos pontos a destacar é a previsão do governo de um aumento da receita fiscal proveniente do consumo de álcool e tabaco, não devido a um aumento de impostos, mas a um maior consumo, resultante do crescimento do rendimento real das famílias.
Discutimos exaustivamente a resiliência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o aumento constante do Orçamento da Saúde. No entanto, quando se trata daquilo que é essencial para a sua sustentabilidade — a prevenção — permanecemos espectadores passivos diante do agravamento de hábitos prejudiciais. Esses comportamentos nocivos, que nos afetam tanto agora quanto no futuro, estão a moldar sociedades onde as doenças crónicas não transmissíveis aumentarão a pressão sobre os sistemas de saúde. E o impacto vai além da saúde: as indústrias do álcool e do tabaco afetam negativamente pelo menos 14 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), prejudicando o desenvolvimento económico, a sustentabilidade ambiental e até a igualdade de género.
No caso do tabaco, temos visto avanços importantes em literacia e mudanças culturais que aumentam a consciência sobre os seus malefícios. No entanto, a indústria encontra novas formas de combater a redução do consumo, com os produtos de vaping a serem um bom exemplo dessa estratégia.
Já no que toca ao álcool, a situação é diferente: somos um país profundamente enraizado numa cultura de consumo de bebidas alcoólicas, algo bem refletido nos rankings internacionais, e ainda estamos presos a conceções ultrapassadas. Não se trata de demonizar, mas os estudos são inequívocos: qualquer quantidade de álcool consumido tem impacto na saúde, incluindo o aumento da prevalência de pelo menos sete tipos de cancro, já para não falar de todas as doenças cardiovasculares, aumento do risco de ansiedade, depressão, distúrbios do sono, entre outros. Não bastam campanhas que incentivem o consumo moderado; é preciso ir mais além. As políticas públicas funcionam, sendo que a aplicação de impostos surge nos principais estudos como a medida mais custo-efetiva. Este é o caminho que precisamos de percorrer.
Portugal ocupa o quarto lugar entre os países da OCDE com o menor gasto per capita em programas de prevenção na área da saúde. O mesmo relatório destaca que, em 2019, 30% das mortes no país foram atribuídas a fatores de risco comportamentais, como o tabaco, dietas inadequadas, consumo de álcool e sedentarismo. Contudo, temos também exemplos de sucesso, como a implementação do imposto sobre bebidas açucaradas, que demonstrou ser um passo na direção certa.
Podemos ser pioneiros, antecipando-nos aos problemas e adotando ações eficazes, especialmente agora, enquanto decorre a discussão sobre o Orçamento do Estado e onde este claro recuo não deve passar em branco.
Por fim, faço um apelo enquanto jovem cidadão: cuidar das gerações futuras não se esgota nos benefícios fiscais ou apoio à habitação. Trata-se também de garantir que o sistema em que nascemos e acreditamos — que assegura cuidados universais e acessíveis — estará presente quando precisarmos dele. Esse trabalho começa agora.