O Azul nasceu em Abril de 2022 e, desde então, tenho escrito todos os anos sobre o Emissions Gap Report. Nesse relatório, a agência das Nações Unidas para o ambiente analisa como a definição e os atrasos das políticas climáticas de cada país vai influenciar o futuro de todos nós à superfície deste planeta cada vez mais quente. Em 2022, 2023 e 2024, a mensagem foi rigorosamente a mesma e, ainda assim, fundamental: precisamos parar já de lançar carbono para a única atmosfera de que dispomos.

A cada ano, os cientistas regressam para dizer aquilo que os decisores políticos e económicos já deveriam saber. São incansáveis: refazem inúmeros cálculos, participam em conferências de imprensa, escrevem artigos de opinião, como aquele que Joana Portugal Pereira, co-autora do relatório, publica esta quinta-feira no Azul. Admiro-lhes a perseverança.

Este relatório das Nações Unidas constitui um mapa do trajecto que percorremos até agora e do que falta fazer (e em qual ritmo) para chegarmos a um destino tolerável para a espécie humana: limitar a subida da temperatura média global bem abaixo dos 2 graus Celsius, idealmente à volta dos 1,5 graus Celsius, como preconiza o Acordo de Paris. Para os decisores políticos e económicos sábios, deveria ser lido como um mapa do tesouro. Ou uma luta pela sobrevivência, como escrevia Carlos Antunes há dias no Azul, outro cientista que não se cansa de reiterar, com outras palavras, que as moléculas de carbono não se regem pelas leis do mercado.

O documento indica que a trajectória actual, no que toca a emissões globais, "levará a um aumento catastrófico da temperatura de 3,1 graus Celsius" até 2100. Para manter viva a esperança dos 1,5 graus Celsius, os países terão de comprometer-se a reduzir, num esforço conjunto e "imediato", 42% das emissões anuais de gases com efeito de estufa até 2030 e 57% até 2035.

Ainda é tecnicamente possível atingir o objectivo dos 1,5 graus Celsius, segundo o relatório. Mas não necessariamente provável, se considerarmos que alcançámos no ano passado um pico histórico de 57,1 mil milhões de toneladas de emissões, o que significa um aumento de 1,2% face ao ano anterior. Estamos a andar para trás: voltamos ao ritmo de crescimento pré-pandemia. 

Neste momento, todos os países devem estar a estudar nas suas novas ambições climáticas. Na linguagem formal das Nações Unidas, isto chama-se "contribuições nacionalmente determinadas" (NDC, na sigla inglesa). Na prática, corresponde a um compromisso voluntário de cada nação (ou bloco, no caso da União Europeia) relativo ao corte de emissões de gases com efeito de estufa que pretende fazer.

O anúncio da terceira ronda de ambições climáticas deverá ser feito até Fevereiro de 2025, antes da COP30, que decorrerá em Novembro no Brasil. Parece só mais uma etapa, mas será a mais decisiva delas. O ideal, para que cumpramos o famoso Acordo de Paris, é que os NDC sejam os mais ambiciosos possíveis. Mas também de nada serve ter um namorado que faz juras de amor eterno se, depois, as promessas são vãs. Tanto no clima como no amor, prometer não chega. É preciso cumprir.

Os autores do Emissions Gap Report frisam que, se houver falta de palavra ou ambição, a meta do Acordo de Paris "desaparecerá dentro de alguns anos". E o planeta estará exposto a um aumento da temperatura média global de 2,6 a 3,1 graus Celsius. Escrever isso é uma forma simpática de dizer que a humanidade – de forma desigual, é claro – estará exposta a fenómenos climáticos extremos mais violentos e frequentes: incêndios, ondas de calor, ciclones, tempestades, episódios de seca prolongada etc. O tempo está a esgotar-se, já não temos muito mais anos para esperar que aqueles que têm poder façam o que devem fazer, que sejam ambiciosos e que cumpram as promessas climáticas. E o custo da inacção é incomportável.

Repetir e reforçar os avisos ano após ano não parece estar a resultar. Ano após ano, os cientistas insistem no mesmo apelo cada vez mais urgente, sempre com a preocupação de não deixar cortar o fio cada vez mais frágil que segura a hipótese (tecnicamente possível) de manter o objectivo dos 1,5 graus Celsius. O que é preciso para se fazerem ouvir? Admitir que já é demasiado tarde?