Arte e educação na comunidade

O fundamentalismo nas áreas da arte, da música, em especial, é um desserviço, pois abandonamos a comunidade, as tradições comuns, em favor do divanismo e do egocentrismo.

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Tive muita sorte no início de carreira, aos 22 anos, quando conheci Gilda Mattoso, Marcus Vinícius, Márcia Alvarez, Bineco Marinho e o visionário Guilherme Araújo — idealizador do tropicalismo e primeiro manager de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Maria Da Graça (lançada por ele como Gal Costa) e Gilberto Gil.

Gilda era assessora de imprensa de todas as minhas matrizes na música, incluindo Tom Jobim. Última esposa e grande amor de Vinícius de Moraes .

Eu chegava pelas manhãs à sala 905, do Cartier de Ipanema, escritório dela, para ouvir histórias de Tom, João, Vinícius contadas por Gilda e Marquinhos e, por vezes, receber a visita de Guilherme Araújo, Leonardo Neto e Rita Lee.

Às tardes, algumas vezes, eram na casa de Caetano, ainda na Rua João de Barros; às noites, no saudoso Real Astoria, no baixo Leblon — sede da boemia intelectual carioca —, onde conheci Cazuza, Lucinha Araújo, Marina (minha primeira madrinha na música), Tavinho Paes, Wally Salomão, Djavan, Tim Maia (que tive o orgulho de produzir cantando o Hino do América), Lenine e Sandra De Sá, com quem cantei algumas vezes em shows no palco dos Noites Cariocas, no Morro da Urca, no topo do Pão de Áçúcar, local idealizado por Nelson Motta .

Esta semana, completei 40 anos de música, contados da primeira que subi em um palco e recebi cachê.

Sinto que o fundamentalismo nas áreas da arte, da música, em especial, é um desserviço, pois abandonamos a comunidade, as tradições comuns, em favor do divanismo, do egocentrismo, quando a comunicação entre as áreas e, principalmente, entre os colegas de cada área, é o que torna a estrada leve e criativa.

Não tenho dúvidas de que o único caminho a seguir é justamente a estrada da troca de saberes, da camaradagem, pois ninguém na arte ganha o jogo sozinho. Antes um fracasso retumbante que nos tornar "sujeitos otimistas em relação à própria arte".

Os encontros entre músicos que tenho a mania de promover há mais de três décadas ajudam muito neste processo da desconstrução dos "superstars" para, finalmente, sublinharmos que a arte deve ser livre da necessidade de alcançar as paradas de sucesso.

Lembro-me bem de uma menina desconhecida vinda de São Paulo, sentada no sofá de minha casa, na Rua Nascimento Silva, no Rio de Janeiro, agarrar o violão e cantar uma canção sua, que ninguém conhecia, numa noite que estavam as estrelas locais da minha geração. Quando acabou ela de cantar, intuí: olha lá o que o Brasil vai cantar pelos cotovelos. Tempos depois, Maria Gadú arrebatava o Brasil.

Só tenho a agradecer para valer aos meus heróis aí de cima, e termino com a frase do imenso Jorge Aragão: "Respeite quem pode chegar aonde a gente chegou".

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