Centenas de investigadores protestam em Lisboa pelo fim da precariedade
“Alexandre, escuta, precários estão em luta” ou “Queremos estabilidade como outros profissionais” foram algumas das frases ouvidas no início da manifestação dos cientistas contra a precariedade.
Algumas centenas de investigadores estão em protesto esta quarta-feira, em Lisboa, para exigir o fim da precariedade que deixa muitos sem optimismo quanto ao futuro da ciência em Portugal.
A concentração estava agendada para as 14h30 em frente ao edifício onde funciona o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), na Avenida Infante Santo, em Lisboa. Alguns minutos após a hora marcada, mais de 200 manifestantes gritavam palavras de ordem para se fazerem ouvir pela tutela.
“Alexandre, escuta, precários estão em luta”, “Queremos estabilidade como outros profissionais” ou “Na academia, mais democracia” foram algumas das palavras ouvidas e que os investigadores repetiram depois de iniciarem uma marcha em direcção à Assembleia da República e com passagem pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Ana Patrícia Veloso começou este ano o doutoramento em geografia e é na carreira científica que se imagina, mas admite que as perspectivas não são optimistas, sobretudo quando olha para os colegas que estão em situações semelhantes há mais tempo.
“Infelizmente, em Portugal a situação das carreiras de investigação é muito precária e foi isso que me trouxe aqui, a pensar no meu futuro e no futuro da ciência”, disse à agência Lusa. O protesto é promovido por várias estruturas e organizações do sector científico, incluindo Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia, Organização dos Trabalhadores Científicos, Associação dos Bolseiros de Investigação Científica e Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis.
O trabalho científico em Portugal é assegurado maioritariamente por investigadores com bolsa ou com contrato de trabalho a termo. De acordo com o Snesup, que representa docentes e investigadores que trabalham nas universidades e nos institutos politécnicos, apenas 15% dos cientistas com contrato de trabalho estão na carreira, enquanto os restantes têm vínculos laborais precários.
A lei de estímulo ao emprego científico, de 2017, prevê que, findo um contrato de trabalho por um prazo máximo de seis anos, os investigadores com doutoramento concluído possam ingressar na carreira, mas as universidades têm resistido invocando o seu subfinanciamento.
O ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, tem acenado com a bandeira do novo Estatuto da Carreira de Investigação Científica para combater a precariedade laboral no sector. A proposta de novo estatuto, aprovada pelo Governo a 2 de Outubro em Conselho de Ministros, mas que terá ainda de ser apreciada e votada no parlamento, prevê “a contratação por tempo indeterminado após período experimental de cinco anos, no caso de investigador auxiliar, e de três anos, no caso de investigador principal e de investigador-coordenador”.
Segundo o diploma, “a candidatura à posição de investigador de carreira” é “aberta a todos os que tenham concluído o doutoramento, independentemente da data de conclusão”. No entanto, a aprovação da actualização a este estatuto não implica a abertura dos concursos que darão, esses sim, a entrada na carreira aos investigadores.
Em Agosto foram atribuídas às instituições portuguesas 1100 vagas co-financiadas pela FCT para a abertura de concursos que visem a colocação de doutorados nas carreiras de investigação científica e docente – este programa (o FCT-Tenure) entrou em vigor o ano passado, com o anterior Governo. Esse número é “extremamente insuficiente”, sublinhou a socióloga Ana Ferreira ao PÚBLICO esta quarta-feira.
“É preciso aumentar o investimento, não só para integrar estas pessoas que têm longos percursos de precariedade, mas também para integrar as novas gerações. Será necessário criar um mecanismo permanente de integração na carreira de investigação científica para quem está agora a desenvolver o seu doutoramento”, vincou ainda Ana Ferreira.