Ministro da Ciência enfrenta a esquerda por causa da contratação de investigadores

BE e PCP acusam Manuel Heitor de ter contrariado acordo de Governo ao substituir bolsas por contratos a prazo. Diploma é apreciado esta quarta-feira no Parlamento.

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Nas bolsas de investigação científica não existem direitos sociais como os subsídios férias, de desemprego e de doença Fábio Augusto

O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, vai ter de defender, esta quarta-feira, na Assembleia da República o decreto-lei do emprego científico que fez aprovar em Agosto. Depois das críticas de sindicatos e associações de bolseiros, Bloco de Esquerda (BE) e PCP pediram agora a apreciação parlamentar do diploma. As duas forças partidárias criticam a tutela por não ter resolvido o problema da precariedade no sistema científico português, contrariando os acordos à esquerda que viabilizaram o actual Governo.

O diploma do emprego científico “está fora do espírito do acordo de Governo”, acusa o deputado do BE Luís Monteiro. “Foi acordado um conjunto de medidas que devolvem rendimentos e combatem a precariedade. O que este regime faz é prolongar a precariedade e até promover reduções salariais”, acrescenta. Para Luís Monteiro não é a primeira vez que o ministro Manuel Heitor “faz uma linha paralela ao acordo” entre socialistas e bloquistas, recordando a forma como o titular da pasta da Ciência minimizou, no mês passado, o problema dos professores que dão aulas no ensino superior sem receberem salário.

Também o PCP lembra que o emprego científico “era um dos pontos que constava do acordo” assinado com os socialistas, mas, segundo a deputada Ana Mesquita, o Governo “não foi suficientemente longe” nesta matéria: “O regime aprovado é um passo, porque consagra direitos, mas é necessário mais.”

Manuel Heitor defende-se dizendo que as alterações ao decreto-lei que agora são propostas por PCP e BE “extravasam” os acordos assinados à esquerda e que estão marcadas por “estigmas ideológicos”. “Temos de ser pragmáticos e por isso focámo-nos num problema que era o abuso da figura dos bolseiros introduzindo um quadro de estabilidade”, explica o ministro da Ciência. “Era isso que estava no programa de Governo e nos acordos.”

O regime de contratação de doutorados foi aprovado em finais de Agosto pelo Governo. Para os partidos à esquerda do PS há três problemas fundamentas nesse diploma. Em primeiro lugar, o facto de o novo vínculo que substitui a bolsas de pós-doutoramento ser também precário. Apesar de ser um contrato de trabalho, com direitos sociais que não existem no caso das bolsas (como os subsídios férias, de desemprego e de doença), tem um prazo máximo de seis anos. Além disso, depois desse período “não há nenhuma garantia de entrada na carreira”, acrescenta Ana Mesquita, do PCP.

Por último, são questionados os níveis salariais estabelecidos que, de acordo com a esquerda, farão com que muitos bolseiros acabem por perder dinheiro ao final do mês. Por isso, o BE propõe a inclusão de uma “norma-travão” no diploma que impeça qualquer investigador de receber menos do que na situação anterior, caso seja contratado ao abrigo deste regime.

Não é só entre os partidos da esquerda que o diploma não agrada. Os sindicatos – que já tinham apontado o dedo ao decreto-lei no Verão – também são críticos. Esta terça-feira, o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, Gonçalo Velho, considerou, numa audição na Comissão de Ciência no Parlamento, que a medida do Governo “ficou aquém do esperado”. Em lugar das 500 novas entradas anunciadas para os quadros das instituições, o sindicato estima que tenham sido abertos apenas 100 concursos desde a entrada em vigor do diploma.

Também a Fenprof, num texto assinado conjuntamente com a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica e a Organização dos Trabalhadores Científicos, acusa a tutela de apresentar apenas soluções “paliativas” para o problema.

Esta quarta-feira, a Assembleia da República debate também um projecto de lei do CDS, que pretende introduzir uma alteração ao diploma do emprego científico. Por um lado, os centristas pretendem estender por mais dois anos a aplicação da norma transitória (que era só para 2016-2017 e permite às instituições abrir concursos de contratação de doutorados ao abrigo do novo diploma). E, por outro, querem reduzir o incentivo (pagamento de uma parte do salário pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, ou FCT) à contratação de investigadores que já são bolseiros da FCT, tutelada pelo Ministério da Ciência. A intenção é dar condições às instituições para que “escolham o melhor candidato possível”, explica a deputada centrista Ana Rita Bessa.

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