"Informação e planejamento são fundamentais para empreender", diz Verônica Fernandes

Empresária chegou em Portugal em 2015 como toda família. Ela e o marido já tinham definido que trabalhariam com cerveja.

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Informação, planejamento e conhecimento do mercado são os ingredientes para o sucesso para quem deseja empreender, principalmente, em outro país, ensina a carioca Verônica Fernandes, que está em Portugal há quase nove anos. Ela conhecia o país como turista e, quando a família decidiu que queria morar fora do Brasil, Portugal foi logo a primeira opção.

No Rio de Janeiro, Verônica teve uma produtora cultural. Organizou shows, exposições e espetáculos. Não apenas no Rio, mas em várias cidades do Brasil. Em Lisboa, é sócia com o marido, Neco Pedrosa, de duas cervejarias. Experiência, trouxeram na bagagem.

As atividades parecem distintas. Mas Verônica explica que podem ter pontos em comum. “Quando se faz uma produção artística, tem-se a preocupação com a satisfação do público. Hoje em dia, nós preocupamos com a satisfação do cliente. Ele é o nosso foco principal, o mais importante. É óbvio que as semelhanças terminam aí, porque toda a estrutura de empreendimento é muito diferente”, afirma. 

Com a decisão tomada de mudar para Portugal, primeiro, vieram pesquisar o mercado e o país. Olharam tudo de forma diferente de quando eram turistas. Passaram um período para perceber como realizar o sonho. Nessa vinda, já abriram conta em um banco, aportaram uma parte do capital e constituíram a empresa. Quando retornaram ao Brasil solicitaram um visto como empreendedores.

“Na época, não havia tantas informações disponíveis sobre como fazer a legalização, como hoje em dia. Viemos para cá para recomeçar do zero e um novo ramo, o da cerveja” lembra Verônica. Outra diferença entre os setores, apontada pela empresária é que, na produção cultural, o processo leva tempo. Entre elaborar o empreendimento, levantar recursos até a sua concretização, temos um prazo longo. Já no ramo de bares e restaurantes tudo tem que estar pronto diariamente.

O casal é sócio nas cervejarias Delirium Café Lisboa, no Chiado, e Gulden Draack, em Picoas. “É um casamento expandido. Nós já éramos sócios na produtora cultural no Brasil”, comenta Verônica. “Tínhamos a preocupação em vir para Portugal com tudo resolvido. Pedimos o visto D2, para empreendedores, no consulado de Portugal no Rio de Janeiro. Apresentamos o nosso plano de negócios e a comprovação de capital. A resposta não demorou. Em um mês, já tínhamos o visto. Não havia o movimento tão grande como há hoje”, lembra.

Desafio dobrado

Buscar muitas informações é o mais importante para qualquer empresário, mesmo no seu país de origem, explica Verônica. “Empreender em um país novo é um desafio dobrado. A legislação é diferente, os hábitos de consumo dos portugueses são diferentes dos brasileiros, são várias leituras novas que temos de ter para entender o terreno. Isso leva tempo”, frisa. 

Informação é apontada por Verônica como a melhor forma de se preparar para uma mudança de vida. “Por mais que se prepare, o imigrante, tem que ter muito claro o que quer realizar e como vai fazer. Às vezes, vejo pessoas perdidas nessa realização. Tem que se ponderar as variáveis. Perceber das leis, do consumo, como o mercado de trabalho funciona", ensina.

Oferecer salários acima da média do mercado e dar boas condições de trabalho são exemplos que a empreendedora dá para manter o quadro de funcionários sem muitas alterações. Mesmo com mais benefícios, a rotatividade existe, e isso pode impactar no funcionamento no negócio. 

“O trabalho em bares e restaurantes é pesado. Existe muita rotatividade no setor. Alguns talentos já estão conosco há três anos. Migraram de postos dentro da empresa e conseguiram crescer. A procura por esses profissionais é grande, sobretudo, se é uma pessoa mais preparada e fluente em idiomas”, diz.

Documentação e aluguel 

Além de chegar com toda a documentação legalizada, a questão cambial merece toda a atenção para quem deseja empreender em Portugal. O capital não precisa ser muito alto, mas tem que ter uma margem de segurança maior do que no país de origem. Os salários, em comparação ao Brasil, em algumas áreas, são mais altos. Alugar um local para se estabelecer é apontado como um dos maiores desafios. A explosão turística e a procura por pessoas de diversos países que querem se estabelecer aqui fizeram os preços dispararem.

“Para se investir em um bom lugar, é preciso estar preparado financeiramente para poder responder às demandas do proprietário. São exigidos muitos meses de caução e aluguéis adiantados. No mínimo, seis vezes o valor do aluguel que tem que ser dado imediatamente. Se for um ponto já existente, é preciso pagar a quem está repassando o negócio. Nesses casos, é possível até pagar um aluguel mais baixo. Isso, de certa forma, compensa o gasto. Se for alugar um local para iniciar o empreendimento do zero, o aluguel vai ser mais alto”, detalha.

Antes de se tomar a decisão de se mudar para o outro lado do Atlântico, a empresária aconselha aos futuros empreendedores conhecerem o mercado, fazer pesquisa, entender como tudo funciona. “Tínhamos o propósito definido do que queríamos fazer. Só não sabíamos o porte. Não caímos de paraquedas nesse ramo. Nos anos de 1990, meu marido morou oito anos na Itália e teve um bar de cervejas alemãs. Ele já trazia essa bagagem", relembra Verônica.

Ela diz mais: "Na minha outra vida, muito tempo atrás, cheguei a ter um restaurante pequeno. É um ramo desafiador. Não é qualquer um que chega, abre e dá certo, porque dá trabalho, precisa de muita dedicação e conhecimento do ofício. E estar presente o tempo inteiro, no começo. Depois você consegue administrar e voltar a ter uma vida. Empreender em um outro país é se abrir ao novo também. Nem sempre é fácil. É tentativa e erro. É muito importante encontrar um escritório de contabilidade de confiança, que responda às necessidades do negócio e, claro, apoio jurídico”.

Processo completo

A emigração para Portugal foi completa do ponto de vista familiar, relata, Verônica. “Foi uma emigração em massa. Eu, meu marido, dois filhos, que, na altura, tinham 11 e 4 anos. Também a minha mãe, meu irmão, minha cunhada e a minha sobrinha. O meu irmão (André Diniz) é quadrinista, premiado, então, para ele, onde quer que esteja vivendo, não faz muita diferença. Inclusive, já saiu um livro dele em parceria com o PÚBLICO, uma adaptação de O Idiota, do Dostoiévski”,  afirma.

A família, segundo Verônica, adaptou-se bem à mudança. Hoje, o irmão vive em Braga. A mãe gosta muito de viver em Lisboa, e os filhos já são praticamente portugueses. “Foi mais tranquilo do que imaginava, para todos nós. Saber para onde se quer ir e conhecer suas expectativas é muito importante. Não pode ser uma moda. Sou a primeira a dizer que é uma ótima ideia empreender em Portugal, mas tem que ter um propósito. A pessoa tem que saber o que busca. Acho que é mais fácil a adaptação quando é dessa maneira”, enfatiza. 

Quanto ao futuro dos negócios, Verônica informa que está prevista a inauguração de uma nova unidade da Gulden Draak, no final de outubro, em uma nova área de alimentação do Shopping Vasco da Gama, com vista para o rio Tejo. “Temos, hoje em dia, os espaços com o maior número de cervejas em Portugal. São 35 torneiras diferentes no Delirium Café e 50, na Gulden Draak. Agora vamos ter um irmão pequeno. A princípio, com 12 marcas, em grande parte, belgas e alemãs. Não temos, até o momento, nenhuma cerveja brasileira pela dificuldade em atender aos prazos mínimos de validade para a importação para a União Europeia. Mas não vendemos apenas cervejas, temos outras bebidas e petiscos variados. Nosso foco principal é receber bem as pessoas”, conclui.