A tempestade perfeita deixou Cuba sem luz, sem comida, sem água e sem paciência

Ao colapso da infra-estrutura eléctrica juntou-se o furacão Óscar, que piorou a situação. Os protestos voltaram às ruas, mas Díaz-Canel diz que não passam de “bêbados” e prometeu puni-los.

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O capitólio de Havana às escuras durante o apagão dos últimos dias ERNESTO MASTRASCUSA / EPA
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Com a comida a apodrecer nos frigoríficos, a água a escassear nas torneiras, idosos incontactáveis e pais em pânico, porque os filhos precisam de respiradores artificiais, Cuba viveu esta terça-feira o quinto dia de apagão generalizado e o rescaldo do furacão Óscar, que entre domingo e segunda-feira matou seis pessoas e piorou ainda mais a situação de “emergência energética” declarada pelo Governo na sexta-feira.

Debaixo desta tempestade perfeita, o Presidente, Miguel Diaz-Canel, congratula-se por ter conseguido restaurar 36% da capacidade eléctrica do país, responsabiliza os EUA pela situação e ameaça punir com mão de ferro os manifestantes que saíram à rua em protestos, ainda que pacíficos, a bater em frigideiras e panelas.

“Continuamos no combate, continuamos trabalhando para dar atenção a estas duas importantes situações que criam condições de excepção na vida das cubanas e os cubanos; e estaremos permanentemente em contacto com nosso povo na mesma medida em que vamos avançando ao dar atenção a estes problemas”, afirmou na segunda-feira ao comité central do Partido Comunista de Cuba, citado pelo Granma, o jornal oficial do regime.

Nesse mesmo dia, 15 organismos independentes de defesa dos direitos humanos emitiram um comunicado em que denunciavam o “colapso total dos serviços essenciais à subsistência humana”. “A falta de energia eléctrica impossibilita a refrigeração de medicamentos e alimentos que dela necessitem, bem como a cozedura destes. Num cenário de total desconexão no país e sem terem sido criadas as condições necessárias, a população tem sido impedida tanto de cozinhar como de ter acesso a alimentos processados, uma vez que padarias, cafés e outros centros estão encerrados.”

“Sem electricidade, o sistema nacional de aquedutos também não consegue ligar a distribuição de água ao sector residencial, anteriormente sujeito a regimes de dois e três dias sem abastecimento. À ausência de electricidade, gás e água soma-se o corte nas comunicações digitais, dada a desconexão das torres repetidoras encarregadas de emitir o sinal”, prosseguiam.

A rede eléctrica nacional de Cuba sofreu um primeiro colapso por volta do meio-dia de sexta-feira, depois de a maior central eléctrica da ilha ter deixado de funcionar, provocando o caos. No sábado de manhã, a rede eléctrica voltou a entrar em colapso, segundo a imprensa estatal. Nesse mesmo dia começaram a ser registados alguns protestos, que se intensificaram no domingo – quando o furacão Óscar já fustigava parte da ilha, deixando-a praticamente às escuras –, e o grito de “Diaz-Canel, singao” [um insulto usado em Cuba] voltou a ser ouvido nas ruas de Havana.

Em directo na televisão nacional, o Presidente advertiu que não iria permitir qualquer vandalismo ou que alguém perturbe a tranquilidade das pessoas”. “Algumas pessoas, um mínimo de pessoas, a maioria delas em estado de embriaguez, comportaram-se de forma indecente, tentaram provocar uma perturbação da ordem pública, cometer algum vandalismo”, declarou, citado pelo Noticiero Digital. “Alguns deles agem de acordo com as orientações que lhes são dadas pelos operadores da contra-revolução cubana do exterior”, acrescentou.

Cerca de 80% de Havana recuperou a energia eléctrica na segunda-feira, embora a maior parte de Cuba permaneça no escuro. Os apagões têm sido recorrentes em Cuba, derivados não de uma situação conjuntural, mas de “uma falha sistémica num país que tem uma infra-estrutura envelhecida, que não produz energia suficiente para ser auto-suficiente, que depende de importações que não pode pagar e de parceiros comerciais [Venezuela sobretudo] que fornecem cada vez menos petróleo”, segundo um diagnóstico do El País, que ouviu vários especialistas sobre o assunto.

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