“AIMA cria imigrantes de 1ª e 2ª classes, e quem ganha são os advogados”, diz jurista

Advogados cobram entre 1 mil e 1,5 mil euros para recorrer à Justiça e garantir atendimento a seus clientes na agência de migrações. Enquanto isso, os mais pobres são deixados para trás.

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Decisões judiciais obrigam AIMA a passar imigrantes que podem pagar advogados na frente da fila de atendimento Nuno Ferreira Santos
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A incapacidade da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) de atender imigrantes em Portugal com a rapidez necessária criou, segundo a jurista Beatriz Sidrim, cidadãos de primeira e segunda classes. E os maiores beneficiários desse quadro desolador, diz ela, são os advogados, que cobram entre 1 mil e 1,5 mil euros (R$ 6 mil e R$ 9 mil) para entrar com processos na Justiça e passar os clientes deles na frente na fila de atendimento. “Quem tem dinheiro para pagar advogado passa na frente, quem não tem, fica para trás, e são sempre os mais vulneráveis”, afirma. “Estamos diante de uma injustiça social enorme”, acrescenta.

A mesma avaliação é feita por Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante. “Temos divulgado casos de pessoas que estão em Portugal há quatro, seis, oito meses e já estão com documentos nas mãos, enquanto há milhares de imigrantes na fila de espera de atendimento da AIMA há dois anos ou mais”, afirma. Para ele, esse sistema, em que o dinheiro fala mais alto, está deixando muita gente em situação complicada, pois, sem a documentação adequada, não tem acesso a empregos dignos nem a serviços públicos. “É preciso a intervenção do Estado para reverter esse quadro”, acrescenta.

Macedo, que, neste domingo, esteve no Alentejo para conversar com imigrantes que trabalham na agricultura, conta que ouviu relatos preocupantes. “Como várias dessas pessoas aceitam empregos temporários, para plantio e colheita, quando o serviço acaba, são jogadas nas ruas, sem nenhum apoio. Aqueles que estão sem a devida documentação são os que mais sofrem”, frisa. Há o risco, agora, de essas pessoas serem deportadas, com a criação da unidade de polícia de fronteira, proposta que está sob análise da Assembleia da República.

Mesmo entre os advogados, há o reconhecimento de que o despreparo da AIMA em atender os imigrantes — há cerca de 400 mil processos pendentes — criou uma indústria de ações junto ao Tribunal Administrativo e Fiscal, que pode ameaçar o funcionamento da Justiça. O advogado Alfredo Roque, da VE Consultoria Jurídica, afirma que, somente entre a tarde de quarta-feira, 16 de outubro, e a manhã de quinta, 17, foram protocolados 500 processos contra a AIMA. “Já trabalhamos com a possibilidade de risco de colapso no tribunal”, diz.

Timóteo Macedo assinala que os advogados ganham dos dois lados. Primeiro, defendendo os imigrantes que têm recursos para enfrentar a AIMA na Justiça. Segundo, ao prestarem serviços para a própria AIMA, que contratou escritório de advocacia para responder às demandas judiciais por 200 mil euros (R$ 1,2 milhão). “Ou seja, está tudo errado”, frisa ele, que está organizando um grande movimento para 25 de outubro, em frente à Assembleia da República, em defesa da volta da manifestação de interesse, instrumento extinto pelo Governo. Por esse mecanismo, era possível entrar em Portugal como turista e manifestar o interesse em continuar no país.

No entender de Beatriz Sidrim, é preciso privilegiar, no atendimento da AIMA, os imigrantes menos favorecidos. Há, segundo ela, como se fazer isso por meio de associações que lidam com esse público. O Governo fechou parceria com várias dessas entidades e, desde setembro, abriu 10 dos 15 novos centros de atendimento da AIMA. Com essa infraestrutura extra, o Estado promete zerar a fila da AIMA até o fim do primeiro semestre do próximo ano. Até agora, no entanto, não foram vistos grandes resultados, admite a jurista.

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