A enganadora aparência da sabedoria

A Inteligência Artificial tem sido usada para disseminar mentiras, e encontrou nas campanhas eleitorais um campo fértil para alimentar os ignorantes.

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Pode ter sido uma premonição, um sonho, um pressentimento, mas o fato é que, centenas de anos antes de Cristo, dois antigos deuses egípcios discutiram problemas semelhantes aos que viriam a ser causados pelas tecnologias do Chatbot, da OpenAi, e semelhantes softwares desenvolvidos por outras empresas.

Segundo narra a lenda, um deles, o Deus Theuth, teria inventado os números, a aritmética, a geometria, a astronomia, o jogo de damas, os dados e, o mais importante, as letras.

Reinava, então, naquela região, o Deus Thamus, que habitava a cidade de Tebas e a quem Theuth mostrou suas criações, explicando, cuidadosamente, a utilidade de cada uma delas, na expectativa de receber seu apoio. A exposição corria tranquilamente até o momento em que Theuth apresentou a escrita, argumentando que a invenção tornaria os egípcios mais sábios, pois promoveria suas memórias e conhecimentos.

Qual não foi sua surpresa quando Thamus, até então atento às explicações, reagiu, discordando do que lhe foi apresentado como a principal vantagem da escrita. Conforme acreditava o rei do antigo Egito, a representação gráfica das palavras produziria efeito inverso ao pretendido, o que jamais ocorreu.

Para o Deus Thamus, esse novo conjunto de símbolos levaria ao esquecimento na mente daqueles que o aprendessem, pois não mais exercitariam a memória por causa da confiança que teriam na escrita, que é exterior e proveniente de caracteres alheios. Dessa forma, também não mais praticariam a lembrança, que é interior.

A troca de ideias entre os dois deuses foi, inclusive, abordada por Platão, por volta de 370 a.C., em Fedro — jovem ateniense, filho de Phythoclés —, interlocutor em diversos dos seus escritos.

Criadora de algumas dessas novas tecnologias, a OpenAi lançou também um sistema capaz de produzir vídeos com base em instruções de texto dos seus usuários. Batizado de Sora, a ferramenta pode produzir rapidamente vídeos de até um minuto, representar cenas complexas, com diversos personagens, tipos específicos de movimento e detalhes do tema do plano de fundo.

Na ocasião, especialistas em IA também tiveram uma espécie de premonição. Alertaram que, como esses programas obedecem a comandos para escrever sobre qualquer tema, colaborariam para o empobrecimento da mente humana e para a divulgação de falsidades.

Como funcionam a partir de uma base de conhecimento atualizada para oferecer respostas textuais às pessoas, nem sempre seria necessário recorrer aos neurônios para redigir bons textos e produzir outras criações, inclusive a desinformação que infecta as redes sociais.

É aí que reside um dos seus principais perigos, que são muitos, diversos e, até aqui, incontroláveis. Além das suas reconhecidas vantagens, essas tecnologias possibilitam a criação dos deepfakes, atualmente, uma praga mundial. De quebra, oferecem a enganadora aparência de sabedoria aos ignorantes e incultos, que é o que predomina nas atuais campanhas eleitorais.

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