Porque é que gosta tanto de pão e massa? A resposta está num gene milenar

Novo estudo sugere que ter duplicações do gene AMY1 explica o gosto dos humanos por alimentos ricos em amido. Tal terá surgido há mais de 800 mil anos, muito antes da agricultura.

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A amilase é uma enzima que não só decompõe o amido em glicose como também dá sabor ao pão Adriano Miranda
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Os seres humanos têm várias cópias de um gene que lhes permitem começar a decompor o amido dos hidratos de carbono complexos na boca, uma expansão genética que um novo estudo aponta ter mais de 800 mil anos.

Liderado por investigadores da Universidade de Buffalo e do Laboratório Jackson de Medicina Genómica — ambos nos Estados Unidos —, o estudo mostra como as primeiras duplicações deste gene lançaram as bases para a ampla variação genética que ainda hoje existe e que influencia a eficácia com que os humanos digerem alimentos ricos em amido. “Se já teve problemas em reduzir a ingestão de hidratos de carbono, a culpa pode ser do ADN antigo”, resumiram os autores do estudo, em comunicado.

Os resultados da investigação foram publicados na revista Science e revelam que a duplicação do referido gene — conhecido como gene da amilase salivar (AMY1), a enzima mais abundante na saliva — pode não só ter ajudado a moldar a adaptação humana aos alimentos ricos em amido, como pode ter ocorrido muito antes do início da agricultura.

A amilase é uma enzima que não só decompõe o amido em glicose, como também dá sabor ao pão. “A ideia é que quanto mais genes de amilase tiver, mais amilase poderá produzir e mais amido poderá digerir de forma eficiente”, explicou Omer Gokcumen, da Universidade de Buffalo.

Para chegar às suas conclusões, a equipa, também liderada por Charles Lee, utilizou técnicas genómicas avançadas para mapear a região do gene AMY1 com um detalhe extraordinário.

Analisando os genomas de 68 humanos antigos, incluindo uma amostra de 45 mil anos da Sibéria, descobriu que os caçadores-recolectores pré-agrícolas já tinham uma média de quatro a oito cópias do AMY1 por célula diplóide, sugerindo que os humanos já deambulavam pela Eurásia com uma grande variedade de elevados números de cópias do AMY1 muito antes de começarem a domesticar plantas e a comer quantidades excessivas de amido.

O estudo também descobriu que as duplicações do gene AMY1 ocorreram em neandertais e denisovanos. “Isto sugere que o gene AMY1 pode ter sido duplicado pela primeira vez há mais de 800 mil anos, muito antes da separação dos humanos que veio a dar os neandertais e muito antes do que se pensava anteriormente”, apontou Kwondo Kim, do Laboratório Jackson.

Omer Gokcumen acrescentou: “As duplicações iniciais nos nossos genomas lançaram as bases para uma variação significativa na região da amilase, permitindo que os humanos se adaptassem às mudanças nas dietas à medida que o consumo de amido aumentava dramaticamente com o advento de novas tecnologias e estilos de vida.”

A investigação também destaca o impacto da agricultura na variação do AMY1.

Embora os primeiros caçadores-recolectores tivessem múltiplas cópias do gene, os agricultores europeus registaram um aumento no número médio de cópias do AMY1 nos últimos 4000 anos, provavelmente devido às suas dietas ricas em amido.

Além disso, a investigação anterior de Omer ​Gokcumen mostrou que os animais domesticados que vivem com humanos, como cães e porcos, também tinham números de cópias mais elevados do gene AMY1 em comparação com animais que não dependem de dietas ricas em amido.