Caro leitor,

Não há governo que resista à tentação. Mais tarde ou mais cedo, todos acabam por apresentar as suas alterações à legislação laboral, fazendo mudanças mais ou menos profundas, mas que acabam por ter impacto na vida de milhares de empresas e trabalhadores.

Desde que entrou em vigor, em 2009, o Código do Trabalho já sofreu 24 alterações. Mais de uma por ano (sendo que em 2010 e em 2020 não houve mudanças).

Aprovada durante o Governo de José Sócrates, a lei do trabalho mudou duas vezes logo no ano em que entrou em vigor. 

Durante a permanência da troika em Portugal mudou mais nove vezes, com o Governo liderado por Pedro Passos Coelho a retirar direitos aos trabalhadores com a redução do pagamento do trabalho extra ou das compensações por despedimento e a eliminação dos três dias de férias ligados à assiduidade.

Nos anos seguintes, já com António Costa à frente dos destinos do país e com uma pandemia pelo meio, a lei foi mudada 12 vezes (algumas delas foram apenas rectificações): no início para eliminar ou aligeirar os retrocessos da troika e, em 2023, para uma revisão mais profunda.

Como seria de esperar, o Governo de Luís Montenegro anunciou que, nas próximas semanas, abrirá a discussão com os parceiros sociais para avançar com a 25.ª alteração da lei.

Uma das matérias que pretende reformular é a norma inovadora, em vigor desde 1 de Maio de 2023, que permite avaliar os indícios de laboralidade nas plataformas digitais.

O tema foi alvo de uma acção especial da Autoridade para as Condições do Trabalho e já chegou aos tribunais que, na sua maioria, têm dado razão às plataformas ao considerarem que os estafetas de entrega de comida são trabalhadores independentes e a sua actividade não cumpre os requisitos associados a um trabalho por por conta de outrem.

Na sua primeira intervenção do Parlamento, em Abril, Maria do Rosário Ramalho assumiu uma posição crítica em relação à solução encontrada pelo anterior executivo e entende que, passado um ano, é preciso "olhar de forma aberta" para o assunto, "adaptando o sistema jurídico à realidade" e reconhecendo que "é igualmente legítimo" prestar este tipo de trabalho em moldes subordinados, autónomos ou com dependência económica.

Já mais recentemente, numa entrevista ao Expresso, a ministra foi mais longe: "A nossa antecipação [em relação à directiva europeia] foi, do meu ponto de vista, inútil, e a prova está nas decisões judiciais, que neste momento são maiorita­riamente contra o reconhecimento do contrato de trabalho dos estafetas. O que não quer dizer que em alguns casos ele não deva existir."

Eis os outros pontos que o executivo já considerou prioritários:

  • Rever os tempos de trabalho: na conferência "O Futuro do Trabalho: 50 Anos depois de Abril", organizada pelo PÚBLICO e pelo Inatel a ministra destacou o facto de a legislação laboral estar ancorada num modelo presencial clássico, de horários rígidos, desfasado da realidade.
  • Teletrabalho: numa conferência sobre contratação colectiva, Maria do Rosário Ramalho notou que o regime previsto na lei do trabalho olha para o teletrabalho como "um sucedâneo do trabalho presencial" e "está desfasado da realidade".
  • Contratação colectiva: na mesma altura, a governante falou na necessidade de retirar alguns condicionalismos da contratação colectiva, garantindo que o fará por via do diálogo com os parceiros sociais.
  • Aplicação das convenções a independentes: a ministra defende que é preciso reflectir sobre a medida introduzida em 2023 que prevê que convenções colectivas se possam aplicar a trabalhadores independentes economicamente dependentes, alertando que as convenções colectivas que referem o assunto não querem essa extensão.

Conhecida a vontade do Governo, falta agora saber qual será a dos parceiros sociais, para se perceber o alcance das alterações que se preparam.

Sabia que…

Só em 1996 as 40 horas semanais passaram a ser a regra em Portugal? Em 1991, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro, o período normal de trabalho passou de 48 para 44 horas por semana. Mas foi preciso esperar por 1996 para o Parlamento aprovar uma lei que determinava a redução da semana de trabalho para as 40 horas, com o objectivo de aproximar a realidade portuguesa dos padrões europeus.

A Lei 21/96, aprovada quando António Guterres chefiava o Governo, foi aplicada em duas fases: em 1997, reduziu-se de 44 para 42 horas e, um ano depois, a semana de trabalho passou a ser de 40 horas.

A mudança aconteceu sem contrapartidas para as empresas. E enquanto alguns estudos apontam para um aumento do trabalho suplementar nos empregadores mais expostos, outros concluem que o aumento dos custos do trabalho acabou por ser transferido para os consumidores.

Trabalho extra

E se houvesse uma licença para trabalhadores que terminam relacionamento amoroso?

Em inglês a expressão é heartbreak leave, o que em português seria qualquer coisa como licença por fim de relacionamento amoroso. Pode parecer uma piada, mas os deputados das Filipinas deram entrada com um projecto de lei que propõe que qualquer trabalhador que atravesse uma ruptura amorosa deveria ter direito uma licença sem vencimento até três dias.

A proposta, conta o Financial Times, inspirou-se no chefe-executivo do Cebu Century Plaza Hotel, que dá aos seus trabalhadores cinco dias remunerados de licença por desgosto amoroso.

O jornal nota que as rupturas amorosas afectam o bem-estar emocional e mental dos trabalhadores, levando à diminuição da produtividade, ao absentismo e a um aumento dos problemas de saúde.

O plano de Keir Starmer para melhorar os direitos laborais no Reino Unido

A lei dos direitos laborais do governo trabalhista liderado por Keir Starmer é a concretização de uma das principais promessas eleitorais do Labour.

O The Guardian faz uma lista das principais medidas em cima da mesa que passam pelo fim dos contactos "zero horas", que agora abrangem mais de um milhão de trabalhadores, revisão dos direitos de parentalidade, protecção nos despedimentos a partir do momento da contratação, baixa por doença paga desde o primeiro dia, entre outras medidas.

O complexo acto de adiar tarefas

A psicóloga Clementina Almeida escreve sobre o fenómeno complexo de adiar tarefas e decisões, tentando perceber as suas origens e impactos. A procrastinação afecta milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo trabalhadores, e pode ser um obstáculo ao crescimento e evolução pessoal, alerta, dando conta da relação entre este fenómeno e os traumas de infância.