Supremo espanhol abre investigação inédita ao procurador-geral

Álvaro García Ortiz vai ser investigado pela divulgação de e-mails que envolvem o companheiro de Isabel Díaz Ayuso. Governo coloca-se ao lado do procurador-geral.

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A investigação está relacionada com a divulgação de dados de um caso que envolve o companheiro de Ayuso Javier Lizon / LUSA
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O Tribunal Supremo de Espanha abriu uma investigação formal ao procurador-geral do país por revelação de dados confidenciais no caso judicial que envolve o companheiro da presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso (PP).

É a primeira vez na história da democracia espanhola que o Supremo visa um procurador-geral. Álvaro García Ortiz é suspeito de divulgar publicamente emails trocados entre o procurador que lidera a investigação ao namorado de Ayuso e o advogado deste.

Alberto González Amador, que tem uma relação com Ayuso desde 2021, foi formalmente acusado em Março de dois crimes de fraude fiscal e um de falsificação de documentos relacionados com um negócio de máscaras durante a pandemia.

Também em Março, a imprensa espanhola divulgou emails entre o procurador e o advogado de Amador em que se discutia um possível acordo judicial. A existência desta troca de mensagens levou o Governo regional de Madrid, liderado por Ayuso, a sustentar que o acordo só não se fizera devido à influência de “alguém acima”. E o Ministério Público, por ordem expressa do procurador-geral, emitiu um comunicado a desmentir essa tese, argumentando que o acordo fora proposto pela defesa de Amador e não pela procuradoria.

Alberto González Amador considerou que o comunicado revelava dados confidenciais e fez queixa do Ministério Público. O caso foi analisado pelo Tribunal Superior de Justiça de Madrid, que deu razão ao queixoso, e remeteu-o ao Tribunal Supremo, que é a única instância judicial com poderes para investigar o procurador-geral.

Agora, o Supremo decidiu abrir um inquérito contra Álvaro García Ortiz. Não por causa do comunicado — no qual “aparentemente não há informação indevidamente revelada”, segundo a decisão conhecida esta quarta-feira —, mas por causa dos emails, que estavam na posse do procurador-geral e da procuradora regional madrilena antes de irem parar à imprensa. Ambos são agora suspeitos de um crime de revelação de segredo.

“É óbvio que este particular [Alberto Amador] enfrenta um processo judicial e que a revelação do email de 2 de Fevereiro de 2024, assumindo ou reconhecendo a sua culpabilidade de dois delitos fiscais (…) pode ter repercussão no direito à presunção de inocência”, escreveu o Supremo, segundo o El País.

Governo apoia procurador

Depois de conhecida a decisão do Supremo, Álvaro García Ortiz emitiu um comunicado em que garante que vai manter-se à frente da procuradoria-geral por considerar que “é o menos gravoso e o mais prudente para a instituição a médio e longo prazo”.

García Ortiz é procurador-geral de Espanha desde Julho de 2022, tendo sucedido a Dolores Delgado, que foi ministra da Justiça de Pedro Sánchez antes de assumir a liderança do Ministério Público.

Os procuradores-gerais espanhóis são nomeados pelo Governo e o seu mandato termina quando os executivos saem de funções. Foi o que aconteceu em 2023, quando Espanha foi novamente a eleições, e García Ortiz foi reconduzido no cargo depois de Sánchez ter conseguido manter-se no poder.

O ministro da Justiça, Félix Bolaños, declarou nesta quarta-deira o seu “total apoio” ao procurador-geral, comentando que este se limitou a “desmentir uma mentira lançada pela Comunidade de Madrid”. Para Bolaños, o Ministério Público “cumpriu o seu dever de combater o delito e proteger a verdade. O delinquente confesso [Amador] fez o contrário, combateu a verdade e protegeu o delito”.

A Justiça espanhola vive há anos num estado de permanente guerra entre facções opositoras (uma considerada mais conservadora, outra mais progressista), que bloqueou a renovação dos seus principais órgãos internos e levou a Comissão Europeia a alertar, por diversas vezes, que o Estado de direito estava posto em causa.

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