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Ruth Rocha, a escritora que usou a literatura infantil para driblar a ditadura
Aos 93 anos, autora acaba de assinar contrato com a editora Salamandra por 15 anos e planeja internacionalização da carreira a partir da Feira de Frankfurt. Ruth criou o bordão: “Cala boca já morreu”
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Aos 93 anos, a escritora Ruth Rocha vai contar com um estande na Feira do Livro de Frankfurt, que começa nessa quarta-feira (16/10) e prossegue até 20 de outubro. Com mais de 50 anos de carreira, 200 livros publicados, 40 milhões de exemplares vendidos, e traduzida para 25 idiomas, Ruth é uma das principais autoras de literatura infantil no Brasil. Foi editora da revista Recreio, voltada para o público infantil. A publicação chegou a vender 1 milhão de exemplares por mês, 250 mil a cada semana, nos anos de 1970.
Títulos como Marcelo, Marmelo, Martelo e o Reizinho Mandão estão entre os seus maiores sucessos. Marcelo, Marmelo, Martelo vendeu no Brasil 20 milhões de exemplares e continua a vender. Virou seriado de televisão e a Paramount já distribuiu para vários países, como Canadá, Austrália, Itália, França, Alemanha, Suécia, Argentina, Chile e México, com boa repercussão. Já o Reizinho Mandão, escrito durante a ditadura militar no Brasil, com 5 milhões de exemplares comercializados, conseguiu passar pela censura e chegou ao mercado no período de maior perseguição aos escritores e intelectuais brasileiros.
Em conversa com o PÚBLICO Brasil, Ruth Rocha, explica que a censura não ligava para a literatura infantil, estava muito focada nas letras das músicas. “Esse reizinho mandão é realmente uma crítica à ditadura. Eu escrevi quatro livros falando mal de reis, porque identificava o rei com o ditador”, diz. Vários escritores de literatura infanto-juvenil acabaram participando de um movimento de resistência nos anos de chumbo no Brasil. “Com Ana Maria Machado, Joel Rufino dos Santos, entre outros, falamos sobre coisas que ninguém conseguia falar, porque a censura estava em cima. A literatura infantil, brilhou naquela época, por ter uma liberdade que ninguém tinha. E o Reizinho Mandão termina com um ditado bem brasileiro: Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”, conta ela, com humor.
O drible na censura brasileira era feito a partir de parábolas. Dessa forma, os escritores conseguiam abordar assuntos que continuam bem atuais. “Falamos sobre racismo, igualdade, Nordeste do Brasil e autoritarismo. Tivemos um movimento da literatura infantil no Brasil, a partir dos anos de 1970, muito importante, que floresceu com grandes autores” completa Ruth.
Novo contrato e o mundo
O projeto de expansão internacional da obra de Ruth Rocha está sendo coordenado pela filha dela, Mariana Rocha. Dentro desse objetivo, foi assinado um contrato de exclusividade por 15 anos com a editora espanhola Salamandra, do grupo Santillana. Em Portugal, já tem livros sendo publicados pela editora Tinta da China. “Minha mãe, aos 93 anos, assinar um contrato de mais 15 anos com uma editora grande nos dá muita esperança. O mundo precisa conhecê-la melhor. Ela teve algumas publicações no exterior, mas não em um volume grande. Agora, é o momento de expandirmos a sua obra para o mundo”, comemora Mariana.
Por esse motivo, a ida para a Feira do Livro de Frankfurt, em alemão, Frankfurter Buchmesse. É o maior encontro mundial do setor editorial, com 500 anos de tradição. O evento é voltado para os profissionais da área, como editores e autores. Nos dois últimos dias, será aberta para o público em geral.
“Vamos lá sentir a temperatura do mercado, ter contato com o mundo inteiro. Ver como a obra dela vai ser recebida. Vamos levar alguns livros traduzidos e apresentar a sua biografia”, explica Mariana. “Minha mãe sempre teve uma postura de muito respeito à criança. De ouvir a criança com muito cuidado e respeitar a sua posição como ser pensante. Isso é muito forte na sua literatura”, completa.
Atenta aos acontecimentos contemporâneos, Ruth acompanha as notícias, não só do Brasil, como do mundo. Revela preocupação com o crescimento da extrema-direita. “Vivemos, recentemente, um momento muito triste, de quase ditadura. O governo atual está tentando tirar essas marcas, mas é difícil. Existe um movimento de direita no mundo todo. Uma figura como Donald Trump é lamentável", ressalta.
E acrescenta: "No Brasil, vemos um movimento de direita muito grande, e vejo isso com muita preocupação. Não que eu seja uma pessoa de esquerda. Mas torço muito mais pelos políticos de esquerda. Eu voto neles. A direita, no governo, combateu tudo o que é bom, como a ciência, por exemplo. No tempo da epidemia, atacaram a vacinação. Fizeram propaganda de remédios que não funcionavam. Morreram 700 mil pessoas. Eles foram muito danosos para o país.”
A sua literatura se mostra atual na questão de consciência social. “Além de Reizinho Mandão e os outros livros sobre reis, a minha mãe também escreveu sobre direitos humanos. Isso tudo serve para preparar as crianças para saber o que é justo, saberem da importância da igualdade. Estamos levando para a feira livros como o Romeu e Julieta por Ruth Rocha, uma história que fala sobre racismo, sobre a questão do preconceito de cor, e obras com temáticas universais”, salienta Mariana.
Hábito de ler
No próximo ano, a obra de Ruth Rocha deve ser levada para a Feira de Bolonha, exclusivamente dedicada ao público infantil. Incentivar o interesse das crianças pela literatura, nas palavras de Ruth, é um hábito que as crianças adquirem em casa. “Na minha casa, havia uma contação eterna de histórias. A minha mãe leu todo Monteiro Lobato para nós. O meu avô lia muito. Contava histórias muito bem. Ele editava as histórias, tornando-as mais interessantes. Adorávamos ouvi-lo", relembra.
A mãe de Ruth dizia que, enquanto tivesse uma linha impressa, compraria para as filhas. "Todos na minha casa tinham respeito muito grande pela escola e pelo conhecimento. Respeito aos professores. Isso marcou não só a mim, mas a todos os meus irmãos. Notamos que a criança adora brincar de adulto. Ela ver o adulto lendo é mais um passo para ela gostar da leitura", afirma.