O Orçamento do Estado: um PS difícil de entender

Se rejeitar o OE e tal conduzir a eleições, o PS não poderá, pela primeira vez, contar com o meu voto. E suspeito que com o de muitos outros.

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Começo por definir as minhas convicções que me levam a escrever estas linhas. Aprendi com os meus pais – sobretudo com o meu pai – o conceito de social-democracia, ao qual, sem qualquer dúvida ou esforço, aderi.

Começando pela democracia, para mim ela traduz-se no respeito que é devido a quase todos por opiniões ou mesmo intervenções com as quais discordamos (ainda que possam procurar atingir, de forma alternativa, os mesmos objetivos). Não pude deixar de incluir a palavra quase, para excluir aqueles que atuam apenas para salvaguardar os seus interesses próprios, sem terem qualquer preocupação com os os seus concidadãos, em particular com os mais desfavorecidos que tomam por “desiguais” (e, na maioria das vezes, por “inferiores”).

No que diz respeito à componente social, ela não significa mais do que estar disposto a apoiar exatamente os mais desfavorecidos, abdicando de parte dos próprios bens a seu favor, por exemplo através de uma carga fiscal progressiva, ao ponto de doer – doer mesmo – aos mais privilegiados.

Como em tudo na vida, a social-democracia pode ser interpretada e vivida com gradações distintas, que se traduzem, por exemplo, por maior ou menor respeito pela propriedade privada ou pelo esforço que cada um põe na sua intervenção coletiva, em particular no seu trabalho.

Definindo-me como social-democrata, tenho de acrescentar dois pontos.

Em primeiro lugar, nunca me inscrevi em qualquer partido político, valorizando sempre a minha intervenção profissional e procurando, apenas através dela, traduzir um conjunto de valores, atitudes, comportamentos e capacidades com os quais me sentisse bem e, na medida do possível, me tornasse um cidadão respeitável.

Apesar disso, tenho de confessar que, desde o 25 de abril, tanto em eleições legislativas como autárquicas, sempre votei no Partido Socialista, o mais próximo da minha interpretação de social-democracia.

Em segundo lugar, procurei constantemente, nos meus locais de trabalho, evitar na medida do possível saber as opções político-partidárias de cada um, sem querer que outros procedessem de forma diferente, por forma a que tais opções não interferissem na avaliação do nosso desempenho profissional. E, a muitos custará acreditar, mas a verdade é que, ao longo da minha longa intervenção profissional, com os meus parceiros – fossem eles dirigentes, colegas ou colaboradores – conseguimos este saudável objetivo.

Dito isto, vamos à questão do Orçamento de Estado e à atitude que sobre esta questão tem sido tomada pelo PS.

As linhas vermelhas colocadas ao Governo para viabilização do OE

Sobre elas, começo por referir as quatro questões seguintes:

  • Linhas vermelhas ou quaisquer outras condições a negociar com o Governo deveriam ser feitas no recato de reuniões restritas entre representantes dos dois lados e nunca na praça pública;
  • Estou de acordo com a preocupação que elas traduzem;
  • Relativamente ao IRS Jovem só tenho a elogiar que o PS o tenha feito nos exatos termos em que o fez;
  • Já no tocante ao IRC, percebendo, como anteriormente referi, o seu objetivo (em particular tentando diferenciar a sua redução consoante as atitudes das empresas face à inovação ou à remuneração dos seus colaboradores), não me parece razoável que incidisse sobre os anos seguintes àquele a que o OE se refere.

Mas há um problema inultrapassável sobre o verdadeiro significado destas linhas vermelhas enunciadas pelo PS: o que designam são condições que, se aceites (e só se aceites) pelo Governo, conduziriam à não rejeição do OE, ponto.

Ora, tendo o Governo até elogiado o contributo do PS na alteração do IRS Jovem e tendo aceitado uma das versões da segunda linha vermelha (não se vinculando a anos posteriores a 2025, facto que se entende, pois seriam objeto de orçamentos do Estado próprios a submeter ao Parlamento), o PS mais não teria de viabilizar o OE de 2025.

Mas não o fez, dizendo que só se pronunciaria sobre a a sua viabilização depois de conhecer o Orçamento… Não esperava, com certeza, estar de acordo com todas as suas disposições. E as linhas vermelhas anteriormente definidas? Que significado tinham? Haveria mais? Assim não se procede com a exigível lealdade.

Consequências potenciais da conduta do PS

Com a forma como tem conduzido as negociações com o Governo, o PS já terá perdido apoiantes como o subscritor destas palavras. Mas se rejeitar o Orçamento e tal conduzir a eleições, não poderá, pela primeira vez, contar com o meu voto. E suspeito que com o de muitos outros.

E tal poderá ter um duro efeito a longo prazo, sobretudo se se tiver em conta que a força do PS não decorre essencialmente dos seus militantes mas, isso sim, daqueles que nele têm votado. E não faz sentido mudar agora um partido de eleitores para outro de militantes.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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