China simula “cenário de guerra” que deixa Taiwan “totalmente isolada do mundo exterior”

Forças Armadas chinesas respondem ao último discurso do Presidente taiwanês, lançando exercícios militares de larga escala em redor da ilha, que incluem caças, navios de guerra e um porta-aviões.

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Caça da Força Aérea de Taiwan prepara-se para descolar dentro da base aérea em Hsinchu, após China ter iniciado exercícios militares em torno de Taiwan RITCHIE B. TONGO / EPA
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Quatro dias depois do discurso do Presidente taiwanês nas celebrações do 113.º aniversário da fundação da República da China (o nome oficial da entidade que governa a ilha asiática desde 1949), em que Lai Ching-te insistiu que Pequim “não tem o direito de representar Taiwan”, as Forças Armadas da República Popular da China mobilizaram navios de guerra, caças e um dos seus porta-aviões para exercícios militares de larga escala em redor do território reivindicado.

Segundo um mapa divulgado nesta segunda-feira pela emissora estatal chinesa CCTV, os exercícios Joint Sword-2024B estão a ser levados a cabo em seis zonas predefinidas, a oeste, leste, norte e sul de Taiwan, e envolvem soldados e activos da Marinha, da Força Aérea, da Força de Rockets e da Guarda Costeira, comandados e coordenados pelas chefias militares do Comando do Teatro Oriental do Exército da Libertação do Povo Chinês (ELP).

Através de um comunicado, o capitão Li Xi, porta-voz do Comando do Teatro Oriental, explicou que as manobras pretendem testar capacidades chinesas de combate aéreo e marítimo e capacidades para bloquear portos e outras infra-estruturas consideradas fundamentais para a defesa e subsistência de Taiwan.

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Citado pelo South China Morning Post, Li assegurou ainda que os exercícios podem transformar-se em guerra a qualquer momento. “Trata-se de uma dissuasão séria contra os actos separatistas das forças independentistas de Taiwan. É uma operação legítima e necessária para salvaguardar a soberania e a integridade do Estado”, justificou.

Num outro comunicado, a Guarda Costeira da província chinesa de Fujian, a mais próxima do território autónomo que Pequim diz ser parte integrante da República Popular da China, revelou que mobilizou embarcações para as imediações das ilhas Dongyin e Matsu, governadas pelas autoridades taiwanesas.

Condenando as “acções provocatórias e irracionais” de Pequim, que, argumenta, “aumentam a tensão e prejudicam a paz e a estabilidade no estreito de Taiwan”, o Ministério da Defesa de Taiwan garantiu, por sua vez, que as Forças Armadas da ilha “estão em alerta máximo, com a firme vontade de preparar a guerra sem a procurar”. Segundo o Governo taiwanês, os Joint Sword-2024B envolvem, pelo menos, 125 aviões e 17 navios de guerra.

Estados Unidos e União Europeia também condenaram os exercícios chineses. Já a Federação Russa revelou que o seu ministro da Defesa, Andrei Belousov, chegou nesta segunda-feira a Pequim para “uma série de discussões com o Exército e a liderança político-militar” da China.

Reunificação ou autonomia?

A República da China (Taiwan) é governada de forma autónoma desde 1949, quando o Presidente nacionalista, Chiang Kai-shek, foi derrotado pelas forças comunistas de Mao Tsetung, na guerra civil chinesa, e decidiu estabelecer um Governo no exílio na ilha Formosa, como o território também é conhecido.

Actualmente, Taiwan tem mais de 23 milhões de habitantes, realiza eleições livres, tem liberdade de expressão e possui uma economia pujante, particularmente no sector dos semicondutores. Não obstante, apesar de contar com o apoio não oficial de países como os EUA, o Japão ou a Austrália, só é reconhecida como representante do poder político chinês por 12 Estados.

Tratando Taiwan como uma província chinesa ocupada, o Partido Comunista Chinês e o Presidente Xi Jinping contextualizam a “reunificação” entre a ilha e a China continental como um “desígnio histórico” e asseguram que nunca vão “renunciar ao uso da força” para o consumar.

Nos últimos anos, que coincidiram com a governação de Taiwan pelo Partido Democrático Progressista (DPP) – um partido de centro-esquerda e pró-autonomia do território, com raízes no independentismo taiwanês –, dirigentes como Lai ou a ex-Presidente, Tsai Ing-wen, têm sido sempre referidos por Pequim e pelos seus líderes e imprensa como “separatistas” e “desordeiros”.

A frequência e o número de activos militares envolvidos em exercícios militares do ELP em redor da ilha está a aumentar, e, por isso, as autoridades militares e políticas de Taiwan dizem que se estão a preparar para uma invasão chinesa da ilha, que, admitem, pode acontecer durante a próxima década.

No seu discurso na passada quinta-feira, em Taipé, o Presidente taiwanês insistiu que Taiwan e a China não “estão subordinadas uma à outra” e prometeu “manter o compromisso de resistir à anexação ou à usurpação da soberania” do território por parte das autoridades da China comunista.

O papel dos porta-aviões

Ao contrário do que aconteceu após o anúncio dos Joint Sword-2024A, realizados em Maio, pouco depois da tomada de posse de Lai, eleito em Janeiro, desta vez o ELP não revelou a duração dos Joint Sword-2024B; informou apenas que tinha concluído as operações previstas para esta segunda-feira. Os exercícios militares de Maio duraram dois dias e desenrolaram-se em cinco zonas em redor de Taiwan, em vez das actuais seis.

Enfatizando que, de acordo com o mapa divulgado pela CCTV, os exercícios do ELP incluem manobras e simulações em zonas próximas da capital, Taipé (Norte), de Kaohsiung (Sul), de Taichung (Centro) e de Hualien (Leste), Chieh Chung, do Association of Strategic Foresight, diz que os Joint Sword-2024B “cobrem efectivamente todos os portos exteriores de Taiwan”.

Segundo o secretário-geral do think tank militar, com sede em Taipé, citado pelo South China Morning Post, os exercícios chineses criam verdadeiramente “um cenário de guerra em que Taiwan fica totalmente isolada do mundo exterior”.

Para além da publicação do mapa explicativo sobre os exercícios militares, a CCTV divulgou imagens de caças J-15 a descolar do porta-aviões Liaoning, ao nascer do sol.

Com 45 mil toneladas e capacidade para transportar 26 aviões de guerra, o Liaoning tem como estrutura de base um porta-aviões soviético que estava a ser construído na Ucrânia quando a URSS colapsou. Comprado no final dos anos 1990, pela China, tem vindo a ser reconvertido, aos poucos, num activo militar mais moderno, para poder igualar as capacidades do Shandong. O Fujian, o terceiro e mais evoluído porta-aviões do ELP, ainda está em fase de testes.

“No passado, o Liaoning era criticado por ter capacidade insuficiente para lidar com descolagens e aterragens contínuas de caças. O ELP espera que, após a enorme remodelação a que foi sujeito, o Liaoning possa pelo menos igualar as capacidades de combate do Shandong, para [a China] poder realizar operações com dois porta-aviões”, disse.

Num cenário hipotético de invasão de Taiwan pelo ELP, a participação de porta-aviões é vista como fundamental para o sucesso ou insucesso de uma operação com essa escala.

Em declarações ao PÚBLICO, durante uma visita que o jornal fez no ano passado a Taipé, a convite do Governo taiwanês, Yujen Kuo, professor do Instituto de Estudos da China e da Ásia-Pacífico da Universidade Nacional Sun Yat-sem, argumentou que, por causa das suas características geográficas, Taiwan “é um dos campos de batalha mais difíceis do mundo” e “é um pesadelo para qualquer militar”.

“Trata-se de uma ilha pequena, mas 77% do território é composto por montanhas. Temos 268 montanhas superiores a 2500 metros e 200 montanhas superiores a 3000 metros. Por outro lado, o estreito de Taiwan é muito pouco profundo, a profundidade média é de apenas 60 metros. Não permite assaltos anfíbios de larga escala. O mar junto à costa Leste é suficientemente profundo, mas a maioria das montanhas está nessa costa. Ou seja, só é possível atacar pelo Norte, através da fossa de Okinawa, ou pelo Sul, através da fossa de Kaohsiung”, explicou.

“Qualquer tentativa de assalto aéreo ou marítimo contra Taiwan alastrar-se-á, incontornavelmente, para Okinawa ou para as ilhas filipinas, quer a China, queira ou não”, alertou, no entanto. “Arrastaria o Japão, os EUA e as Filipinas para a guerra. Isto torna os cálculos estratégicos chineses de preparação para a guerra muito difíceis, se não impossíveis. É por isso que, até agora, a China nunca levou a cabo uma acção militar mais ousada contra Taiwan.”

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