Furacão deixa o céu na Flórida roxo. Um “fenómeno esquisito” que a ciência explica

As imagens da passagem do furacão Milton mostram um céu púrpura carregado de nuvens. Serão falsas? Uma coisa “não natural”? Não: é o resultado da conturbada viagem da luz solar até aos nossos olhos.

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O céu roxo observado durante o furacão Milton tem a ver com a passagem dos raios solares pela atmosfera na região afectada pela tempestade CCTV RAP/Twitter
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Parecia um cenário apocalíptico daqueles a que Hollywood nos foi habituando. Os céus sobre o estado da Florida ficaram roxos à chegada do furacão Milton na passada quarta-feira, quando milhões de norte-americanos se preparavam para enfrentar a mortífera tempestade que havia de deixar um rasto de destruição na costa leste dos Estados Unidos. Os vídeos que circulam nas redes sociais mostram densas nuvens de um furacão, o fenómeno meteorológico mais extremo do planeta Terra, tingidas de violeta.

Não, não são imagens falsas, nem foram retiradas de um videoclip improvisado de uma das canções mais célebres de Prince. Também não é o resultado de uma manipulação meteorológica com recurso a iodeto de potássio, como sugerem as teorias da conspiração que contaminaram a Internet nos últimos dias. O céu roxo observado durante o furacão Milton explica-se com pura ciência: tem a ver com a passagem dos raios solares pela atmosfera na região afectada pela tempestade.

A luz do Sol tem três partes: a radiação ultravioleta, com comprimentos de onda inferiores a 0,4 micrómetros; a luz visível, entre os 0,4 e os 0,8 micrómetros; e a radiação infravermelha, que tem comprimentos de onda superiores a 0,8 micrómetros. A luz visível, aquela que o humano consegue percepcionar, divide-se, também ela, em partes mais pequenas — sete, correspondentes às sete cores que observamos num arco-íris (ou no álbum dos Pink Floyd). O vermelho corresponde aos comprimentos de onda mais longos e o violeta aos mais curtos.

Essa é apenas uma parte da resposta. A outra está nos nossos próprios olhos, que contêm três sensores (os cones) que detectam as três cores primárias — vermelho, verde o azul. É a mistura dessa três cores, dependendo da intensidade com que os sensores as recebem, que nos permitem percepcionar todas as outras cores. O branco corresponde à detecção das três cores primárias com a mesma intensidade. E o violeta fica no limite das cores que o humano consegue percepcionar.

Ora, a luz do Sol é efectivamente branca, mas ela não chega aos nossos olhos exactamente como saiu da estrela: divide-se e dispersa-se quando atravessa a atmosfera ao interagir com as moléculas, as poeiras, as gotas de água e outras partículas em suspensão que encontra pelo caminho. Os comprimentos de onda mais curtos dispersam-se mais facilmente que os mais longos. E o violeta, por ter comprimentos de onda tão curtos, surge apenas quando a luz solar atravessa partículas muito pequenas, como os átomos de oxigénio e azoto que compõem a atmosfera. Só que é tanto mais intenso quanto maior a distância que percorre até chegar aos nossos olhos.

Acontece que o furacão Milton, que vitimou 16 pessoas nos Estados Unidos, aproximou-se do estado norte-americano da Flórida ao fim do dia de quarta-feira, precisamente quando o Sol estava mais próximo do horizonte e enquanto a tempestade deixava a atmosfera mais saturada de água e poluída por detritos e poeiras. Por isso, não só a luz solar percorreu uma distância maior até chegar à superfície, como se dispersou mais ao interagir como todas a substâncias em suspensão na atmosfera.

O resultado final desta conturbada viagem da luz até terra firme é aquela que se vê nas imagens. Alguns internautas, impressionados pela paisagem roxa que se abateu sobre uma parte dos Estados Unidos, consideraram que este era um "fenómeno esquisito", um acontecimento "anormal" e "não natural". Aliens? Não, só algo tão natural quanto um céu dominado pela radiação solar com comprimentos de onda de 0,4 micrómetros, no limite do que o olho humano pode percepcionar. Ou, por outras palavras, a cor púrpura.