O simulacro de eleição em Moçambique

Já quase ninguém espera em Moçambique que as eleições decorram sem incidentes e irregularidades e a verdade é que as eleições de quarta-feira vieram trazer mais uma justificação para esse cepticismo.

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Tudo no jogo político moçambicano é previsível e assim se manterá até que alguém diga: basta! Até que alguém decida deitar as peças abaixo e comece a jogar o seu próprio jogo. Quando se diz que a democracia é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros, a ênfase deve estar na ideia de que é preciso um esforço para fazer de nós democratas, para aprendermos a ceder o controlo do nosso destino a outros, para admitir a derrota e seguir acreditando que mesmo assim vale a pena.

Em tempos de descrédito da democracia, umas eleições como as de quarta-feira em Moçambique servem para aumentar o cepticismo em relação ao seu funcionamento. É como assistir a um simulacro, em que todos os protocolos são cumpridos, mas, no fim tudo, não passa de fingimento.

Se o jogo está permanente e visivelmente viciado; se quem participa não consegue acreditar que, por mais ínfima que seja, ainda continua a haver possibilidade de que aqueles em quem vota chegarem ao poder; quando quem domina a máquina tem como único objectivo continuar a dominá-la sem olhar a meios para atingir esses fins, a democracia torna-se um exercício de kratos (poder) sem o prefixo demos (povo).

A máquina montada pela Frelimo nestes quase 50 anos de poder em Moçambique transformou em banal aquilo que deveria ser excepcional (na verdade, não deveria existir, mas sabemos que as democracias são imperfeitas): a manipulação dos resultados eleitorais.

Há um vídeo posto a circular nas redes sociais (um de muitos que mostram o esquema fraudulento das eleições, desde mesas de votos em que todos os recenseados votam no candidato da Frelimo, outras em que os votantes são mais do que os recenseados, gente apanhada com votos já preenchidos, delegados da oposição impedidos de entrar nas assembleias de voto e de assistir às contagens, etc., etc.) que é o perfeito exemplo de como um ilícito tantas vezes praticado se transforma em prática aceite: sentado à secretária, alguém preenche e dobra meticulosamente boletins de voto que outro vai usando para introduzir em urnas de voto exactamente iguais a todas as outras. Nota-se que a tarefa é rotineira, repetitiva, chata e, por isso, quem preenche os boletins, aproveita para participar na conversa sem que as suas mãos deixem de cumprir a função.

A fraude eleitoral em Moçambique entrou no domínio público, passou a ser tarefa entregue aos burocratas. Desde aqueles que tratam dos cadernos eleitorais e neles mantêm os mortos para que seja mais fácil à Frelimo convocar o voto dos defuntos, passando pela mobilização da máquina do Estado para assegurar a campanha do partido no poder (incluindo a arregimentação voluntária e forçada dos funcionários públicos para os comícios e outras acções políticas), dos media públicos para a cobertura favorável, culminando no dia da votação em que tudo se condiciona para garantir que os editais reflectem a vitória da Frelimo e a sua a manutenção no poder.

Para isso também contribui a oposição – que barafusta, protesta, reclama, grita fraude, vai para a rua, mas, no fim, aceita a pequena parte de statu que quem domina o quo lhe permite ter. É melhor ser líder da oposição, deputado de uma bancada minoritária na Assembleia da República ou numa assembleia provincial do que não ser nada e o partido perder a subvenção pública que lhe cabe em função dos votos que lhe foi permitido alcançar no grande esquema das coisas: no statu quo res erant ante bellu, no estado das coisas antes da guerra, como diz a expressão por extenso, sendo a “guerra”, neste caso, a eleição.

Até porque o que se viu nesta eleição em Moçambique, como em outras paragens, de África e não só, é que a oposição nada tem para apresentar como projecto político além de não ser a Frelimo. A sua ambição política resume-se a captar o voto de quem se cansou de escolher sempre o mesmo ou de escolher o mesmo que sempre escolheram os seus pais e avós.

Mas se as urnas não permitem aos eleitores ver reflectida sequer essa sua “oposição” à Frelimo; se se cansarem de protestar com o voto na oposição ou com a abstenção e não quiserem ou não puderem deixar o país, Moçambique corre o risco de uma explosão social imprevisível.

Nestas eleições, Venâncio Mondlane parece ter servido de escape para aqueles que não sabem que caminho querem, só sabem que não querem ir por onde vai a Frelimo. Um discurso populista, megalómano e messiânico (a que não faltou até um encontro com o Chega em Portugal), com mudanças prometidas para tudo e mais alguma coisa sem se vislumbrarem formas, meios e capacidade para as concretizar. Como nas eleições autárquicas do ano passado em Maputo, nestas eleições presidenciais assumiu-se rapidamente como vencedor com base numa contagem paralela; tudo indica que, como nas eleições autárquicas, a Frelimo acabará por o chamar à razão. Estamos em crer que o que fizer com essa derrota, modelará o futuro próximo de Moçambique.

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