As inspirações de um arquiteto

A educação é o pilar da inspiração e os professores têm o papel e a missão de marcar os seus alunos com inquietude e não apenas com factos.

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"Viajar, sair do território que se domina, desperta um sentido de observação mais apurado em nós" Airam Dato-on/pexels
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O arquiteto começa por ser um poeta com um sonho e uma visão, depois um humanista para não perder a direção ao relacionar-se com o que o rodeia e, no final, um construtor capaz de aplicar a sua arte, a arte da construção. Ao longo de todo este processo, o arquiteto agarra-se a memórias pessoais, visuais, culturais e sensoriais — exemplos que o cativam.

É imprescindível referir a importância daqueles que incutem entusiasmo no outro. A educação é o pilar da inspiração e os professores têm o papel e a missão de marcar os seus alunos com inquietude e não apenas com factos. Inquietude que nos leva a querer depararmos-nos com situações onde somos expostos ao desconhecido.

É nestes momentos de fragilidade que naturalmente o arquiteto se deixa maravilhar.

O tema da viagem, confronto com novas realidades, é a maior inspiração, aquela que enriquece e faz o arquiteto ressuscitar todos os dias. Viajar pelas páginas de um livro é ser transportado para um imaginário. Ler, por exemplo, O Elogio da Sombra de Tanizaki é sentir-se no Japão profundo e tradicional.

Ao longo do texto, entendemos que o Japão aponta para uma forma de estar que se identifica com esta escuridão, com o contraste com a luz. Valoriza a sombra e o peso dos corredores, dos utensílios domésticos, da arquitetura despida, do rosto da mulher. Para qualquer ocidental este tema é o espoletar da crítica ao fascínio da luz a que está habituado. A diferença inspira, alerta-nos de que há um leque variado de realidades únicas, às quais podemos recorrer quando damos resposta a um projecto.

Viajar, sair do território que se domina, desperta um sentido de observação mais apurado em nós. Há tempo para entender que as catedrais medievais, as basílicas romanas, os templos gregos são para nós mais que obras de referência de certo arquitecto, criação de uma época. Estes edifícios com que nos deparamos, aparentemente impessoais por natureza, marcam-nos e surgem recorrentemente na nossa memória, por serem a prova de que a arquitetura é a vontade de uma época traduzida no espaço. Fazem-nos querer seguir este exemplo de projetar edifícios duradouros, representantes do nosso tempo.

Viajar todos os dias, desde o caminho de casa até ao trabalho ou escola, é a inspiração mais voraz para o arquiteto. Na rotina diária, supostamente padronizada, há eventos que determinam um curto espaço de tempo. Estamos mais suscetíveis ao que vemos, cheiramos, ouvimos e sentimos. Estas sensações espoletam no arquiteto o sentido crítico. Fazem questionar soluções, ou são momentos de deslumbre que guardamos como algo precioso para mais tarde aplicar.

Viajar, deambular pelos projectos dos nossos pares é vivenciar um método específico de pensar arquitetura. Quando tomamos um projeto como referência é porque sentimos instintivamente a dedicação do seu autor. Reconhece-se que há um forte diálogo entre a construção, a natureza e a história do local. Quando um edifício revela uma atenção ao detalhe na arquitectura e expressa a compreensão das possibilidades e limitações dos materiais, é impossível ficar-se indiferente.

É inspirador quando o trabalho de alguém é um compromisso com as suas memórias, com tudo o que o rodeia e até com o seu próprio corpo.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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