Sem surpresas no guião, vitória esmagadora para o Presidente Saied na Tunísia

Sondagem à boca das urnas que deverá ser confirmada pela Comissão Eleitoral atribui 89,2% dos votos ao novo homem forte de Tunes, um resultado digno de Ben Ali, o ditador derrubado em 2011.

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Apoiantes de Kais Saied festejam em Tunes, no domingo à noite MOHAMED MESSARA / EPA
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Kais Saied era o vencedor anunciado de umas eleições presidenciais que confirmam o fim do processo de transição para a democracia iniciado pela Tunísia na revolta de Janeiro de 2011. Mas mesmo depois de a Comissão Eleitoral ter barrado a maioria das candidaturas, acusado vários candidatos de crimes e impedido a presença nas urnas de observadores da União Europeia e de duas ONG tunisinas, os 89,2% previstos por um instituto de sondagens não deixaram de chocar a oposição.

Eleito em 2019 como um outsider que prometia “uma nova revolução”, Saied tudo fez desde então para concentrar poderes e assumir o controlo das instituições, do Parlamento à justiça, ao mesmo tempo que pressionava os jornalistas para calar a crítica e perseguia os membros dos principais partidos. Da revolução já nem sobra a Constituição de 2014, uma lei moderna e inclusiva, considerada uma das mais progressistas do mundo árabe.

A Comissão Eleitoral Independente, assim se chama, mesmo que em 2022 tenha sido reestruturada às ordens do Presidente, adiou o anúncio dos resultados provisórios oficiais para o final da tarde desta segunda-feira, mas em Tunes espera-se que se limite a confirmar os 89,2% da sondagem à boca das urnas do Sigma, um instituto que acertou nos escrutínios de 2014 e de 2019.

Os dois outros candidatos que sobreviveram ao crivo da comissão eleitoral – 14 foram desqualificados – lembraram que não estavam previstas sondagens à boca das urnas e não deverão aceitar o resultado. Dos 2,7 milhões de tunisinos que foram às urnas, o que representa uma participação de 27,7%, dois milhões terão escolhido reeleger Saied.

De acordo com o Sigma, apenas 6,9% dos eleitores votaram no empresário e político Ayachi Zammel, fundador do partido liberal Azimoun, enquanto 3,9% escolheram Zouhair Maghzaoui, líder da Frente Popular, da esquerda nacionalista e laica.

Ao final do dia, uma suposta sondagem à boca das urnas, de fonte desconhecida, era partilhada por opositores e jornalistas nas redes sociais, atribuindo a Zammel 57% e a Saied 24%, e a sua campanha anunciava que enfrentaria o Presidente numa segunda volta. Zammel, detido a 2 de Setembro por “falsificação de assinaturas” e de “patrocínios”, foi condenado a um total de 14 anos de prisão.

Maghzaoui lidera a Frente Popular desde 2013, quando substituiu Mohammad Brahmi, assassinado com 11 tiros à porta de sua casa, em Tunes. O crime, cometido por um salafista (suspeito de tráfico de armas para a Líbia), chocou o país e alimentou protestos contra o governo da altura, liderado pelos islamistas moderados do Ennahda (partido que em 2016 deixou cair a designação islamista e declarou que passaria a ter uma agenda apenas civil e democrática).

Das 170 pessoas que a organização Human Rights Watch diz estar nas prisões por motivos políticos, mais de 110 são membros do Ennahda, incluindo o seu líder, Rached Ghannouchi.

A sondagem do Sigma foi conhecida às 20h, mal as urnas tinham encerrado. A dimensão da vitória anunciada por Saied deixou toda a oposição em silêncio. Nas últimas eleições antes da queda da ditadura, em 2009, Ben Ali, que estava no poder desde 1987, foi declarado vencedor com 89,62% dos votos.

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