Ninguém Quer Isto mas toda a gente queria isto. E agora, Netflix?
A comédia romântica voltou e tem dez episódios. Mas ainda não se sabe se, apesar do êxito visível que é a série com Kristen Bell e Adam Brody, vai haver mais deste género tão pouco acarinhado.
Quando começam a surgir sugestões “quer algo parecido com Ninguém Quer Isto?” na Internet, é um sinal. Quando passadas semanas se esmiúçam as formas como são retratadas certas personagens e a ausência ou presença de estereótipos na narrativa, é outro sinal. Quando há publicações e críticos que declaram que esta é “a comédia romântica do ano” e outros que proclamam que “infelizmente faz justiça ao seu título”, é o semáforo avariado que indica apenas que algo se passa e há que avançar com cautela. Uma série de comédia romântica veio preencher um enorme vazio. E agora?
Ninguém Quer Isto estreou-se na Netflix a 26 de Setembro e Portugal, por exemplo, deixou para trás Um Casal Perfeito e até A História de Lyle e Erik Menendez para se agarrar ao par Adam Brody e Kristen Bell. É a junção de duas estrelas gostáveis (consideremo-la uma categoria, porque informalmente é o que ela é) que há duas décadas os espectadores vêem crescer dos adolescentes que foram em séries populares ou de culto pop, e seus equivalentes cinematográficos, para agora serem os adultos que dão ao público o que ele quer. A saber, comédias românticas leves, um elenco diversificado e um par central com uma química inquestionável, um toque de “actualidade” (ela faz podcasts com a irmã sobre a sua vida amorosa e sexual; o ritmo da comédia é de 2024; o seu lado mais generalista e mainstream também) mas com um sentimento constante do género desde os anos 1980 — a intemporalidade dos encontros e desencontros, dos obstáculos e das atracções, no fundo o conforto de ver as notas de uma música conhecida numa nova versão.
A história sobre um rabi moderninho e a tal podcaster, ateia, só podia levar, após a curiosidade inicial e devido à popularidade crescente da série, à análise. Não só dos críticos, que concordam numa única coisa (a química entre Brody e Bell) e que discordam sobre o que esta história tem de bom, escorregando no palato televisivo como um vinho do Pingo Doce, ou os erros que comete, muitas vezes puramente superficiais. Também há a análise dos espectadores e comentadores, muitas vezes descontentes (e que timing geopolítico...) com a forma como são retratadas as mulheres judias, por exemplo.
É um debate válido e está aí para quem quiser entrar no ringue. Neste cantinho, o que importa é que Ninguém Quer Isto, série criada por Erin Foster a partir das suas próprias experiências (tem um podcast com a irmã), acertou. Toda a gente queria isto, segundo dizem os dados relativos aos primeiros quatro dias de exibição: é a segunda série mais vista da Netflix em todo o mundo, com mais de 10,3 milhões de visualizações, e está no top ten da plataforma em 78 países. Os próximos números, que serão revelados na terça-feira, vão provavelmente confirmar que é a número um em todo o mundo. Mesmo que tal não suceda, já emitiu a sua mensagem.
Talvez seja viés geracional e quem está nos 30, 40 ou 50 anos tenha especial gosto por esta dupla de actores. Mas talvez essas e outras gerações estivessem também à míngua, há mais de uma década, de comédias românticas, outrora uma oferta regular nos ecrãs de todos os tamanhos. Quando se fala de Hollywood estar obcecada com filmes de mega-orçamento, é preciso lembrar que as vítimas das explosões e dos multiversos não são os filmes independentes, mas os filmes de meio da tabela — os títulos que apelam a um público maduro, independentemente da idade, e géneros alegadamente leves como as comédias românticas.
Durante algum tempo, o streaming pareceu querer dar resposta a essa lacuna da indústria, mas os exemplos foram parcos e alguns mesmo fracos. Houve Always Be My Maybe, filme adulto, é certo, ou séries adolescentes como To All the Boys I've Loved Before, mas a Netflix não acerta sempre e já não se pode gabar de salvar o género. Aliás, séries verdadeiramente marcantes para a causa, como Jess e os Amigos ou The Mindy Project, são produtos da televisão linear.
Talvez seja a fase de contracção do fazer menos e melhor — e mais barato. Só assim se pode explicar que a plataforma ainda não tenha, dez dias passados sobre a estreia evidentemente bem-sucedida de Ninguém Quer Isto, anunciado que haverá segunda temporada. Foster, Brody e Bell já disseram que estão mais do que apostados em continuar esta história simples, talvez mesmo simplista, e cheia de actores secundários maravilha — Timothy Simons de Veep, Tovah Feldshuh de The Walking Dead, Justine Lupe de Succession, Richard Schiff de Os Homens do Presidente… Bastaram quatro dias após a estreia da segunda temporada de Narcos, por exemplo, para a Netflix anunciar não só uma terceira mas também uma quarta temporada. Detalhe, para lá do género e das qualidades da série: estávamos em 2016 e os bolsos da Netflix eram dos mais fundos do mercado. Em paralelo, um ano depois, os grandes estúdios estrearam zero comédias românticas. No início da década, eram cerca de nove por ano.