O Casal Perfeito existe e está a matar na Netflix

O Verão está a chegar ao fim e Nicole Kidman, Liev Schreiber, Dakota Fanning, Isabelle Adjani e Eve Hewson estão a dominar os ecrãs da Netflix portuguesa com um policial de ricos cheio de ironia.

series-,cultura,netflix,nicole-kidman,televisao,culturaipsilon,
Fotogaleria
Liev Schreiber e Nicole Kidman em O Casal Perfeito
series-,cultura,netflix,nicole-kidman,televisao,culturaipsilon,
Fotogaleria
Nicole Kidman em O Casal Perfeito Netflix
series-,cultura,netflix,nicole-kidman,televisao,culturaipsilon,
Fotogaleria
Eve Hewson e Meghann Fahy em O Casal Perfeito
Ouça este artigo
00:00
04:19

Estreada há poucos dias, a série O Casal Perfeito já é a mais vista na Netflix em Portugal e já está a ser dissecada online, por isso o seu trabalho já está feito. Certo? Não é bem assim. Há que resolver este crime contra a linearidade e falar um bocadinho de como Nicole Kidman, Liev Schreiber, Dakota Fanning e sobretudo Eve Hewson fazem desta série popular apesar do que poderiam indiciar os seus nomes — não é uma série de prestígio, arrisquemos, é um policial de ricos. E vê-se de uma assentada.

Na já conhecida tradição de séries sobre os ricos que não consegue deixar de levar a sério tanto o privilégio desta espuma cimeira das chamadas classes sociais quanto o seu direito a ser humanizados, O Casal Perfeito é também um pedaço de comédia. Será involuntária, questiona-se a crítica Roxana Hadidi no site Vulture, ou bem afinada, porque é realizada por Susanne Bier, premiada com Óscares e Emmys, conhecida pela sua versatilidade no grande e pequeno ecrã e pela atenção milimétrica à beleza de um plano — seja sobre um vol-au-vent, seja sobre uma mulher à beira da morte.

O Casal Perfeito é um olhar escarninho e invejoso sobre aquelas figuras que a América oferece nas franjas da sua realeza, uma espécie de Kennedys de buffet, mas que em vez dos Hamptons ou de Hyannis Port estão em Nantucket. A maresia, as roupas pastel ou garridas, a suavidade com que o ethos beto se entranha na paisagem e na aspiração do espectador têm desta vez uma amiga: Amelia não é rica e vai-se casar com um dos filhos dos Winbury, mas está com um pé cá e outro lá — a toxicidade que domina as relações dos Winbury é afogada numa orgia permanente de ostras e mojitos de mirtilo, mas ela incomoda-se, mesmo quando a paisagem é incrível e as mordomias são confortáveis.

@netflix the opening sequence for THE PERFECT COUPLE is a nantucket fever dream #ThePerfectCouple music: @Meghan Trainor choreography: @charmladonna ? The perfect couple opening dance - Netflix

E, ponto de ordem, a série está perfeitamente colocada neste início de Setembro e esse é provavelmente o seu maior trunfo. O Casal Perfeito é uma jóia da arte de programar, como é uma arte colocar o tipo de livro certo à venda num aeroporto. Há coisas que resultam dentro de balizas muito específicas. Greer Garrison Winbury (Kidman) e Tag Winbury (Schreiber) concordariam, seguramente, mesmo abdicando do seu quinhão de responsabilidade por esta minissérie chamar logo a atenção.

A série está também cheia de ironias e ramificações, além de algumas alterações em relação ao romance homónimo de Elin Hilderbrand em que se baseia. Hilderbrand, segundo o diário britânico The Guardian, “é conhecida como a rainha das leituras de praia”. Greer, cuja interpretação está a dar grandes louvores a Kidman, é escritora desse tipo de livros, apesar de achar aviltante que sejam postos à venda nas livrarias de aeroportos, lá está. Kidman volta a papéis que lhe têm dado notoriedade televisiva, como a incontornável Big Little Lies, da HBO, que por seu turno foi o motivo pelo qual a protagonista aqui se chama Amelia e não Celeste — este último era o nome da personagem da actriz australiana em Big Little Lies, pequeno tratado sobre os bastidores das vidas dos privilegiados.

É que são mesmo privilegiados. Como diz à polícia o organizador de eventos que trabalha com os Winbury, eles são “o tipo de ricos que matam alguém e se safam”. Sim, o crime. Ou a morte, porque até ao final não se sabe o que aconteceu no jantar pré-casamento àquela pessoa que, com grande inconveniência, obrigou a adiar a festa porque morreu.

Gente que não sabe estar, claramente, e que deu bastante trabalho a Eve Hewson e à sua Amelia. Foi um trabalho desafiante impregnar-se de tanta dor, disse ao New York Times, e não tanto tactear aqueles estilos de vida. Filha de Bono Vox, vocalista dos U2, está habituada a estas coisas. E vinda de uma pérola de família unida mas acometida pela violência como a retratada na série da Apple TV+ Bad Sisters, já tem calo.

Há, portanto, uma série de camadas para fatiar antes ou depois de se ver O Casal Perfeito, que não ambiciona a ser mais do que aquilo que é, um “whodunnit” e não um pastelão de “eat the rich”. Como a reverenciada The White Lotus, porém, consegue algo que tem pertencido às séries de prestígio. Fazer o espectador resistir a tocar no botão “saltar a introdução”. Porque o genérico, com o elenco a dançar na praia Criminal, de Meghan Trainor, é delicioso. O elenco bem criou um grupo secreto no WhatsApp para tentar escapar à cena, mas nada feito. No final do sexto e último episódio, há uma versão ligeiramente expandida. Mas não devem ser precisos muitos mais argumentos para chegar ao fim de O Casal Perfeito. O fim do Verão é inevitável, e os casais perfeitos só existem para ser desfeitos.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários