Havia mulheres obrigadas a prostituir-se quase 24 horas por dia no caso que envolve polícias

Casa de massagens no Chiado, no coração de Lisboa, era fachada para negócio com mulheres brasileiras sequestradas.

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Além de tráfico de seres humanos, os arguidos estão indiciados pelo crime de lenocínio agravado, um delito cuja conformidade com a Constituição tem sido alvo de discussão entre os juízes do Tribunal Constitucional. Paulo Pimenta
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A pequena rede de prostituição desmantelada esta madrugada pela PSP, e que contava com a cumplicidade de dois polícias municipais, funcionava em pleno Chiado, no coração de Lisboa, e tinha mulheres que eram obrigadas a trabalhar quase 24 horas por dia. A algumas delas tinham sido subtraídos os passaportes, vivendo quase sequestradas.

Os dois polícias municipais envolvidos no esquema eram próximos da gerente do espaço, uma brasileira que recrutava compatriotas no seu país de origem. Havia vítimas aliciadas com empregos de recepcionista que só percebiam o logro quando chegavam a Portugal. A função destes dois homens, segundo os investigadores, consistia em intimidar as mulheres para as inibir de fugirem e denunciarem a rede. Frequentavam a casa fardados, facto que levantou suspeitas aos colegas da divisão de investigação criminal da PSP que agora desmantelaram a rede, numa operação policial que começou ao final do dia desta quarta-feira e se prolongou noite dentro.

As buscas decorreram não só no Chiado, onde foram encontradas três possíveis vítimas de tráfico de seres humanos, além dos respectivos clientes, como também em Boliqueime, no Algarve, numa casa onde a mesma mulher tinha tido um negócio idêntico, mas que há alguns meses converteu em hostel.

Aparentemente a penosidade das condições em que trabalhavam não era igual para todas as vítimas: umas eram submetidas a um regime de quase escravidão e pouco dinheiro recebiam, enquanto outras eram mais bem pagas.

Nenhum dos agentes envolvidos no esquema tinha cadastro e ambos foram detidos pelos colegas fora de flagrante delito, um deles quando se encontrava em serviço na rua e o outro em casa. As buscas, durante as quais foi recolhida documentação, contaram com a presença de uma magistrada do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. Os cacifos usados pelos polícias também foram revistados.

Foram realizadas sete buscas domiciliárias seis às residências dos suspeitos e uma à casa de massagens, situada na Travessa Guilherme Cossoul, nas proximidades do Largo do Camões. O estabelecimento, que já teve várias designações, entre as quais Powerfulspa e Nuriah Spa, funcionava 24 horas por dia. Intitulava-se um “espaço de massagens sensuais, com gabinetes privados e totalmente equipados”, destinando-se tanto a homens como a mulheres e também casais. Os investigadores, que começaram a trabalhar neste caso há ano e meio, suspeitam que os dois polícias também usufruiriam destes serviços.

Além de tráfico de seres humanos, os arguidos estão indiciados pelo crime de lenocínio agravado, um delito cuja conformidade com a Constituição tem sido alvo de discussão entre os juízes do Tribunal Constitucional. As medidas de coacção dos três detidos, os polícias e a mulher que geria o negócio, deverão ser conhecidas esta sexta-feira.

Entretanto, o Bloco de Esquerda apresentou um pedido de esclarecimentos ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, sobre a detenção dos dois agentes, pedindo igualmente a presença do comandante da Polícia Municipal na próxima reunião do executivo. O Bloco questiona no requerimento se Carlos Moedas tinha conhecimento da situação e, se o tinha, há quanto tempo foi informado e que acções irá desencadear na sequência do sucedido, questionando ainda o social-democrata sobre a sua disponibilidade para chamar o comandante da Polícia Municipal de Lisboa para prestar esclarecimentos ao executivo, pedido que o autarca já recusou.

"Aqui não é uma questão do comandante. Temos um grande comandante da Polícia Municipal, que faz o seu trabalho e eu estou na reunião de câmara, se a senhora vereadora [do BE] me quiser fazer perguntas, eu estarei preparado para as responder, mas não posso estar a falar em casos que estão em segredo de justiça", respondeu aos jornalistas, esta quinta-feira, à margem de uma cerimónia em Lisboa.

O PÚBLICO tentou saber junto da autarquia se foi decretada alguma medida preventiva de suspensão de funções dos agentes em causa muito embora essa medida também possa ser aplicada pelo tribunal que vai ouvir os agentes e se é a primeira vez que elementos desta polícia surgem envolvidos em tráfico de seres humanos e lenocínio. Até ao momento não obteve qualquer resposta.

Texto actualizado às 21h48 para incluir declarações de Carlos Moedas, autarca de Lisboa

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