Receita cobra 25% de imposto sobre previdência privada de brasileiros em Portugal

Cobrança do tributo gera polêmica, pois incide sobre ganhos de aposentados que se tornaram residentes fiscais em Portugal. A taxação, dizem especialistas, deveria ser feita pela Autoridade Tributária.

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Especialistas dizem que cobrança de impostos em Portugal sobre rendimentos de aposentados brasileiros com previdência privada deveria ser feita pela Autoridade Tributária Daniel Rocha
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Brasileiros que moram em Portugal e engordam a aposentadoria por meio de fundos de pensão e fundos de previdência privada devem ligar o sinal de alerta. É que a Receita Federal vem taxando esse complemento de renda em 25%, quando o correto seria que a cobrança de impostos fosse feita pela Autoridade Tributária (AT) portuguesa, já que esses contribuintes transferiram a residência fiscal para o país europeu.

Os fundos de pensão podem ser de empresas públicas ou privadas, já os fundos de previdência, normalmente, são administrados por bancos e seguradoras, e os mais comuns são o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e o VGLB (Vida Gerador de Benefício Livre). Esses fundos são uma forma de garantir aos trabalhadores que, quando se aposentam, tenham uma renda próxima do salário que recebiam na ativa.

Quem acompanha esse tema de perto garante: tal tributação é vedada pela “Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento”. Esse Tratado foi assinado em 16 de maio de 2000 e promulgado pelo Decreto n.º 4.012, de 13 de novembro de 2001. Mas, apesar do acordo, brasileiros com residência fiscal em Portugal estão pagando mais impostos do que deveriam. E quem admite isso é a própria Receita Federal brasileira.

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Fernando Mombelli, da Receita Federal brasileira, diz que aposentados podem recorrer à Justiça para pagar menos impostos Fernando Thompson

Diz Fernando Mombelli, subsecretário de Tributação e Contencioso do órgão: “Não temos como resolver casos isolados.” Segundo ele, o problema está no sistema usado pela Receita Federal para reter o Imposto de Renda (IR) direto na fonte, no ato de pagamento das aposentadorias e pensões. Ele afirma que a única alternativa que resta aos contribuintes que se sentem lesados é recorrer à justiça.

Questionado pelo PÚBLICO Brasil sobre o tema, um integrante do governo de Portugal informa que, “estando em causa pensões consideradas como não públicas (privadas), de fonte brasileira, pagas a residentes fiscais de Portugal e decorrentes de emprego anterior, a regra geral é que as mesmas sejam tributadas exclusivamente em Portugal (cf. n.º 1 do artigo 18.º da CDT Portugal/Brasil)”.

Corte Internacional

Para compreender melhor esse tema, é importante esclarecer os conceitos de aposentadorias no Brasil. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) garante os benefícios a trabalhadores até um teto, agora de R$ 7.786 (1.297 euros), desde que tenham contribuído para isso. Esse sistema é administrado pelo Estado. Há, ainda, as aposentadorias pagas a servidores públicos das três esferas de governo — federal, municipal e estadual. Nos dois sistemas, trabalhadores e servidores podem complementar os benefícios por meio de fundos de previdência, abertos ou fechados.

Na avaliação do advogado Fábio Pimentel, do escritório CPPB Law, “ao desrespeitar um acordo internacional, o Brasil está sujeito a ser julgado na Corte de Haia”. Para ele, o sistema de tributação seguido pela Receita Federal é injusto com os brasileiros. “Na concepção do tratado, a aposentadoria, mesmo a privada, não deveria ser tributada nos dois países. Mas isso acontece por imposição legal do Fisco brasileiro. O Brasil não permite que se coloque o número de uma conta de um banco estrangeiro para os beneficiários receberem as aposentadorias e pensões”, complementa a advogada Catarina Zuccaro, do escritório CZAdvogado.

Ela lembra que os governos anteriores de Portugal incentivaram muitos aposentados brasileiros a cruzarem o Atlântico para se beneficiarem de incentivos fiscais. Neste contexto se insere o visto D7 (aposentados e detentores de renda). Esses imigrantes são um público disputado por vários países, uma vez que possuem renda e patrimônio, investem nos locais para os quais se mudam, especialmente no ramo imobiliário.

Mas, com o fim do antigo incentivo ao Residente Não Habitual (RNH), muitos aposentados brasileiros podem fazer o caminho de volta, já que a bitributação de aposentadorias pode afetar o orçamento doméstico. O atual Governo anunciou uma nova versão de incentivos tributários, contudo, os benefícios serão focados em trabalhadores especializados e não em aposentados.

Dados do INSS apontam que quase 7 mil segurados brasileiros têm residência fiscal em Portugal, mas não se sabe quantos deles complementam os ganhos com benefícios pagos pela previdência privada.

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Receita Federal do Brasil cobra 25% de imposto sobre previdência privada de brasileiros que têm residência fiscal em Portugal DIVULGAÇÃO

Batalha jurídica

Fabio Pimentel diz que, no Brasil, a batalha jurídica para recuperar o Imposto de Renda cobrado irregularmente é longa. “Mesmo no caso de quem já obteve sentença favorável, a taxação pela Receita continua”, frisa. “Estamos falando de um tema complexo, desconhecido por muita gente”, emenda do advogado.

É o caso do deputado federal Pedro Paulo (PSD/RJ), que foi relator da reforma tributária na Câmara Federal. “Temos que ver o caso específico, pois não estou a par dele. Precisamos dar uma parada, olhar, ver o que é. Mas, se tiver (havendo bitributação ou qualquer cobrança indevida de impostos), obviamente, o Parlamento será sensível aos brasileiros estão vivem em Portugal”, afirma o deputado.

Para Pimentel e Catarina, a postura da Receita pode inibir que outros aposentados brasileiros se mudem para Portugal, o que será ruim do ponto de vista econômico para o país europeu. Somente nos quatro primeiros meses deste ano, os brasileiros, no geral, despejaram 97 milhões de euros (R$ 581 milhões) em território luso. Esse montante representa cerca de 2,5% do balanço de pagamentos de Portugal no mesmo período, segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central do Brasil.

Por meio do Ministério das Finanças, ao qual está subordinada, a Autoridade Tributária de Portugal enviou ao PÚBLICO Brasil a seguinte nota: “1) Os sujeitos passivos estão obrigados a comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a alteração do seu domicílio fiscal, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à AT."

Mais: "2) A AT não adota qualquer estratégia ou procedimento inspetivo especificamente dirigida a cidadãos brasileiros, residentes ou não residentes em Portugal, sendo estes cidadãos tratados de forma idêntica aos restantes cidadãos estrangeiros, designadamente quando solicitam a atribuição de número de identificação fiscal (NIF) ou no que respeita ao envio de alertas de apoio ao cumprimento voluntário das suas obrigações fiscais”.

Procurados, a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e o Banco de Portugal não comentaram. O INSS afirmou que o tema tributação é de responsabilidade da Receita Federal.

É legal ou não?

Diante desse imbróglio, muita gente se pergunta se o Brasil está cometendo alguma irregularidade ao descumprir um tratado internacional. A resposta é complexa e depende de diversos fatores, incluindo a natureza específica do tratado, as leis nacionais de ambos os países e a jurisprudência internacional.

Em geral, os tratados internacionais não são diretamente aplicáveis dentro dos países signatários, necessitando de implementação por meio de leis internas. Isso significa que, para que o tratado de não bitributação entre Brasil e Portugal tenha efeito legal em território brasileiro, é preciso que seja incorporado à legislação brasileira. Oficialmente, existe uma lei interna no Brasil que regulamenta o Tratado assinado com Portugal em 16 de maio de 2000. Trata-se do Decreto nº 4012, de 13 de novembro de 2001.

O decreto define os termos utilizados no Tratado, como "imposto sobre o rendimento", "residente", "estabelecimento permanente", "dividendo", "juros", "royalties", "ganhos de capital", "pensão", entre outros. O documento também estabelece as regras de tributação para cada tipo de rendimento, de acordo com as disposições do acordo. Por exemplo, os rendimentos de trabalho auferidos por um residente de um país em outro só podem ser tributados pelo país de residência.

Em outro ponto, o decreto define o procedimento a ser seguido pelos contribuintes para evitar a dupla tributação, como a solicitação de crédito fiscal no país de residência para os impostos pagos no outro país. O decreto estabelece, ainda, os mecanismos para resolução de conflitos entre as autoridades fiscais dos dois países, caso haja divergências na interpretação ou aplicação do tratado.

No caso de descumprimento de um tratado internacional, pode haver consequências negativas para o Brasil, como danos à reputação ao ser visto como um país que não cumpre compromissos internacionais, dificultando a negociação de novos tratados. Outra possibilidade é a de Portugal tomar medidas retaliatórias contra o Brasil, como aumentar tarifas alfandegárias ou impor restrições comerciais. A disputa pode parar em uma Câmara de Arbitragem ou na Corte Internacional de Justiça.

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