Setembro continua a ser o mês de regresso às aulas para muitos de nós, independentemente do tempo que passou desde que deixamos de ir à escola. Para muitos jovens que aguardam ansiosamente a primeira semana como caloiros ou o regresso às aulas, o aumento contínuo das infecções sexualmente transmissíveis (IST) poderá ser uma boa razão para rever as orientações sobre sexo seguro e utilização de preservativos para a garantir que os estudos não vão ser interrompidos por uma infecção indesejada.
Em Setembro de 2023, a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido apelou para que os estudantes usassem preservativo e fizessem testes regulares às IST para ajudar a evitar a propagação de infecções. É um conselho útil para toda a gente e não apenas para os estudantes.
Os dados mais recentes do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças mostram que os casos de sífilis aumentaram 34% de 2021 para 2022, as infecções de clamídia 16% e de gonorreia 48%.
Sobre tendências europeias mais abrangentes, a Irlanda — o meu estudo de caso sobre saúde sexual — também registou um aumento significativo nos casos de IST. Os dados de vigilância sanitária mostram que, entre 2019 e 2022, os casos de clamídia aumentaram 20%, os de gonorreia 45% e os de sífilis 14%.
A incidência de IST é particularmente maior entre os jovens, sobretudo entre os que têm menos de 30 anos. As mulheres com idades compreendidas entre os 20 e os 24 anos registam a taxa de incidência mais elevada de todas as IST com 3088 casos por 100 mil habitantes. Os relatórios de vigilância de 2023 indicam um aumento de 133% nos casos de gonorreia entre as mulheres dos 20 aos 24 anos e um aumento de 55% entre os homens dos 15 aos 19 anos desde 2022.
Homossexuais, bissexuais e outros homens que têm relações sexuais com homens (HSH, na sigla portuguesa) são outras das populações mais afectadas por IST na Irlanda. Segundo dados recolhidos, são responsáveis por 84% das infecções por gonorreia e 71% das infecções por sífilis em 2022.
Os dados sobre as taxas de IST entre os migrantes na Irlanda são escassos, no entanto, entre os novos diagnósticos de VIH, a taxa de co-infecção com IST bacterianas foi de 17%, aumentando para 26% entre os HSH. As proporções significativas de novos diagnósticos do vírus da Sida foram registadas entre pessoas da América Latina (24%) e da África Subsariana (20%).
Os dados europeus do European MSM Internet Survey (EMIS, na sigla original) — um inquérito online anónimo para homossexuais, bissexuais e outros homens que têm sexo com homens — também indicam que os migrantes enfrentam barreiras à adopção de comportamentos sexuais mais seguros.
Entre os entraves está a falta de conhecimento sobre saúde sexual e reprodutiva, restrições financeiras, barreiras linguísticas e experiências de estigma e discriminação. Cerca de um em cada cinco refugiados sofre violência sexual (e esta é, provavelmente, uma estatística conservadora, dadas as baixas taxas de denúncia de violação e agressão sexual), o que significa que podem estar mais expostos às IST.
Quando comparadas com as pessoas nascidas no seu país de residência, o estudo EMIS registou taxas mais elevadas de sexo sem preservativo entre os refugiados, os requerentes de asilo e as pessoas que saíram do país de origem depois de se assumirem a sua orientação sexual.
Declínio do uso do preservativo
A diminuição do uso do preservativo é um dos principais factores que contribuem para o aumento das IST, especialmente entre populações-chave como os jovens e os HSH.
O que está a provocar este declínio? Infelizmente, não sabemos.
A nossa saúde sexual, tal como a nossa saúde em geral, é influenciada por uma interacção complexa de factores individuais, sociais e estruturais. Esta perspectiva é conhecida como a abordagem socioecológica que tem em conta os factores sociais, políticos e políticas específicas que moldam o comportamento individual.
O impacto na saúde sexual das recentes mudanças significativas na conjuntura social, cultural e tecnológica está a começar a tornar-se evidente, mas continua a ser pouco investigado.
A difusão dos smartphones, por exemplo, implicou um aumento da utilização de aplicações de encontros online e fácil acesso a conteúdos pornográficos. Há provas de que o aumento da utilização de pornografia está associado a uma maior probabilidade de praticar sexo sem preservativo. A par disto, os utilizadores de aplicações de encontros apresentam taxas mais elevadas de gonorreia e clamídia.
A disponibilidade da profilaxia pré-exposição (PrEP) tem sido crucial na redução das taxas de VIH entre os HSH e é uma ferramenta preventiva essencial. No entanto, a utilização da PrEP também está associada a taxas mais elevadas de diagnósticos de IST. O consumo de drogas recreativas é outro factor: na Irlanda, os HSH diagnosticados com uma IST têm 53% mais probabilidades de se envolverem no consumo de drogas.
A instabilidade habitacional também tem sido associada a comportamentos sexuais menos seguros. Estes dados acontecem numa altura em que o número de jovens sem-abrigo está a aumentar na Europa. A quantidade de jovens sem-abrigo na Irlanda aumentou 57% entre 2017 e 2022.
A migração interna para a Irlanda aumentou 31% em 2023, o que pode desempenhar um papel importante. Os obstáculos ao acesso dos migrantes aos serviços de saúde sexual estão bem documentados. Neste sentido, a Nasc, organização nacional dos direitos dos migrantes, já manifestou preocupação com o acesso aos preservativos por parte desta minoria.
Enfrentar o problema
O desenvolvimento de acções é fundamental, assim como a abordagem dos factores socioculturais e económicos determinantes da saúde sexual. Assim sendo, será necessário um planeamento e investimento cuidadosos por parte dos governos para melhorar a educação, o acesso à habitação e as condições de vida em geral, especialmente para as populações marginalizadas. Um ambiente que apoie e não impeça as pessoas de cuidarem da saúde é essencial para reduzir o actual aumento das IST.
A melhoria do acesso aos serviços é crucial. A recente introdução do SH:24, um serviço gratuito de testes a estas infecções que é feito em casa melhorou o acesso à despistagem na Irlanda. Os programas de despistagem comunitários conduzidos por pares revelaram-se bem-sucedidos em Dublin, mas não existem fora da capital.
Todos nós temos direito a uma vida sexual segura, saudável e agradável. Ao garantir a disponibilidade e o acesso universal a serviços, educação e informação culturalmente adequados, e ao implementar quadros jurídicos e políticos que promovam a dignidade, a igualdade e a não-discriminação, podemos melhorar a saúde sexual e travar a vaga de IST na Europa.
Exclusivo P3/The Conversation
Elena Vaughan é investigadora na Universidade de Galway, na Irlanda